O Estado de São Paulo, n.46342, 03/09/2020. Política, p.A4

 

STJ mantém afastamento de Witzel por seis meses

Rafael Moraes Moura

03/09/2020

 

 

Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça confirma decisão que retirou do cargo o governador do Rio; ele diz que jamais cometeu 'atos ilícitos', mas respeita julgamento

Por 14 votos a 1, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve ontem o afastamento por seis meses do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). Desde que foi criado, em 1988, o STJ já mandou governadores para a cadeia durante o exercício do mandato, como José Roberto Arruda e Luiz Fernando Pezão, mas esta foi a primeira vez que um chefe do Executivo local foi afastado do cargo sem ser preso.

A decisão, inédita, representa uma vitória do presidente Jair Bolsonaro. Witzel é um de seus principais adversários políticos e nunca escondeu o desejo de ser candidato ao Palácio do Planalto, em 2022, enfrentando Bolsonaro, que busca a reeleição.

Em quase cinco horas de julgamento, o relator do caso, Benedito Gonçalves, os ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza Assis de Moura, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Sérgio Kukina e o presidente do STJ, Humberto Martins, defenderam o afastamento do governador fluminense. A Corte Especial é formada por 15 dos 33 ministros mais antigos do tribunal.

Por comandar o STJ, Martins não era obrigado a votar, mas fez questão de deixar explícita sua posição e chancelar a decisão monocrática (individual) de Gonçalves. Kukina foi além dos colegas e votou para que Witzel não fosse apenas afastado do cargo, mas também preso. "Há elementos que sinalizam e direcionam ser ele o 'cabeça' da organização criminosa. Não faz sentido que os demais (alvos da operação) estejam presos", afirmou Kukina.

Eleito em 2018 tendo como um dos pilares de sua campanha o discurso contra a corrupção, Witzel foi acusado de obter vantagens indevidas em compras fraudadas na área da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus. Ele é o sexto governador do Rio que enfrenta problemas com a Justiça. Seus advogados alegaram que não tiveram acesso a documentos da investigação. Observaram, ainda, que o afastamento foi determinado sem que o governador prestasse depoimento às autoridades.

"Respeito a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Compreendo a conduta dos magistrados diante da gravidade dos fatos apresentados. Mas reafirmo que jamais cometi atos ilícitos", escreveu Witzel no Twitter. "Continuarei trabalhando na minha defesa para demonstrar a verdade e tenho plena confiança em um julgamento justo", completou, negando irregularidades e desejando "serenidade" ao governador em exercício, Cláudio Castro (PSC). O Estadão apurou que a defesa de Witzel vai recorrer novamente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

'Graves'. Gonçalves, que havia determinado o afastamento do governador por 180 dias, afirmou ter decidido por "medida menos gravosa" do que a prisão. Para o ministro Francisco Galvão, as acusações são graves e devem ser aprofundadas. "No momento em que vivemos, numa pandemia, onde já tivemos mais de 120 mil vítimas, é impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar a exercer o cargo tão importante de maior dirigente do Estado do Rio", disse ele.

Nancy Andrighi concordou. "A ordem pública está não só em risco, como em atual, intensa e grave lesão. A situação de enfrentamento da pandemia tem sido aproveitada para dar continuidade à prática de atos criminosos", disse a ministra.

Mesmo acompanhando os colegas, Maria Thereza criticou o fato de Witzel ter sido afastado por decisão individual. "Essa decisão não deveria ter sido monocrática, mas submetida ao órgão colegiado desde logo. Trata-se aqui de governador de Estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos", destacou Maria Thereza. "Acredito, que, em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à Corte Especial constitui medida de prudência, que, me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático".

Mauro Campbell também questionou o fato de o afastamento ter sido por decisão individual, mas acabou votando para que o governador continuasse fora do comando do Rio. "Os fatos falam por si só", disse.

Divergência. Único a ficar ao lado de Witzel, Napoleão Nunes contestou o afastamento do governador. "O pouco amor que se tem tido ultimamente pelo justo processo jurídico e o desapreço que se tem tido pelas liberdade individuais têm conduzido alguns autores imprudentes a relacionar o garantismo com a impunidade. Será que podemos falar em ampla defesa num julgamento que não comporta fala de advogado?", questionou.

Cláudio Castro, o governador em exercício, divulgou nota desejando que Witzel tenha garantido o amplo direito de defesa e reafirmando o compromisso de conduzir o Rio com "serenidade, diálogo e austeridade".

• Denúncia Afastado por 180 dias do cargo de governador, Wilson Witzel poderá se tornar réu em ação sobre os desvios na Saúde se a denúncia da Procuradoria-geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro for acolhida pelo STJ. Durante o afastamento de Witzel, Claudio Castro permanece como interino.

• Processo de impeachment Witzel também enfrenta um processo de impeachment na Assembleia Legislativa (Alerj) – a previsão é de que o parecer, que ainda não foi apresentado pela comissão especial, seja votado pelo plenário neste mês.

• Interino é alvo de investigação Em uma hipótese de afastamento de Castro pela investigação, a chefia do Executivo caberia ao deputado André Ceciliano (PT), presidente da Alerj.

• Novas eleições Em caso de afastamento definitivo tanto de Witzel como de Castro ainda em 2020, a Constituição estadual prevê nova eleição direta 90 dias após “aberta a última vaga”. Se essa vacância ocorrer em 2021, a eleição seria realizada de forma indireta pela Alerj.