O Estado de São Paulo, n.46342, 03/09/2020. Economia, p.B7

 

Entrevista - Rogério Marinho: "Vamos atrair a iniciativa privada com pegada verde"

Rogério Marinho

Amanda Pupo

03/09/2020

 

 

Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional

O ministro afirmou que está em curso uma mudança no perfil de ações da pasta. A aposta para atrair os parceiros privados é a certificação “verde” de toda a carteira de projetos coordenados pelo ministério.

Um dos protagonistas no debate sobre a injeção de recursos públicos em obras de infraestrutura, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou que está em curso uma mudança no perfil da carteira de projetos e ações da pasta para que deixe de ser majoritariamente pública e atraia cada vez mais parceiros privados.

“É o processo de pegar um transatlântico, que estava indo em determinada direção, e você ir gradativamente corrigindo seu rumo”, disse o ministro. A aposta de Marinho para atrair os parceiros privados é a certificação “verde” de toda a carteira de todos os projetos coordenados pelo ministério. “Como há hoje muita liquidez (sobra de recursos) no mercado, há também uma propensão para que boa parte desses recursos seja alocada em função dessa pegada ambiental. Nós estamos juntando duas necessidades, da sustentabilidade e do respeito ao meio ambiente com a necessidade econômica.”

Marinho esteve no centro de uma crise interna do governo sobre a alocação de mais recursos públicos em obras de infraestrutura para responder aos impactos da pandemia. Seu ministério vai ganhar ainda neste ano, com o de Infraestrutura, um reforço no Orçamento. “O que eu defendo: que a partir de 1.° de janeiro de 2021 todos os instrumentos de controle fiscal que foram excepcionalizados em razão do decreto de calamidade sejam restabelecidos”, disse.

Confira os principais trechos da entrevista do ministro ao Estadão.

• A política ambiental do Brasil está em foco, e o sr. comentou que a pandemia ressalta a necessidade de projetos sustentáveis. De que forma?

Toda a carteira do MDR (Ministério de Desenvolvimento Regional) tem essa pegada de sustentabilidade. A aprovação do marco do saneamento nos dá a possibilidade de termos um investimento de quase R$ 700 bilhões nos próximos dez anos. Se você certifica a carteira, não é só um projeto, isso é muito mais atrativo para o investidor. Como há hoje muita liquidez no mercado, há também uma propensão para que boa parte desses recursos seja alocada em função dessa pegada ambiental. Nós estamos juntando duas necessidades, da sustentabilidade e do respeito ao meio ambiente com a necessidade econômica.

• O País tem sido pressionado, em muito por parte dos investidores, justamente por sua política ambiental...

O Brasil é o grande player mundial, nós temos a mais completa e moderna legislação de proteção ambiental. Infelizmente, nós somos vistos de forma diversa. As pessoas do mundo inteiro nos caracterizam como destruidores de floresta, quando, na verdade, o Brasil é o País que proporcionalmente mais preserva as suas florestas.

• Com certificação verde e busca por investidores, o ministério vai mudar o perfil de uma carteira que é majoritariamente alimentada com recursos públicos?

Esse é o grande desafio. Nós contratamos uma consultoria via Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (a consultoria entrega todos os estudos até o fim do ano) para mudar o conceito da nossa carteira. Hoje temos dois estruturadores de projetos, BNDES e Caixa Econômica, mas eles não têm pernas para fazer frente a todo o volume de ações que estão sendo engendradas pelo ministério. Toda a política de águas é, sem dúvida nenhuma, o maior fator de desenvolvimento humano, e isso está sob nossa coordenação. É uma carteira que envolve o tratamento de esgoto, de resíduos sólidos, de água potável, do estabelecimento de canais de transposição, da perfuração de poços artesianos, revitalização de bacias hidrográficas, por exemplo. Com todo esse manancial de atividades, nós temos a possibilidade de atrair a iniciativa privada, se mantivermos essa pegada de governança, sustentabilidade e meio ambiente.

Por que a carteira do MDR é tão dependente do investimento público, enquanto que os Ministérios de Minas e Energia e Infraestrutura já têm um programa de concessões consolidado? Nesses casos, mudanças foram feitas há 15 anos, 20 anos. No MDR, nós estamos começando isso agora, com o marco zero em março de 2020. É o processo de pegar um transatlântico, que estava indo em determinada direção, e você gradativamente corrigir seu rumo.

• Os projetos de saneamento são pulverizados pelo País, justamente pelo fato de a competência não ser da União, mas dos municípios. Como vai funcionar a qualificação desses projetos para uma carteira verde?

A ideia é abranger toda a nossa carteira, onde entra saneamento, iluminação pública, mobilidade urbana, por exemplo. Estamos fazendo um grupo de trabalho com a CBI e até dezembro vamos apresentar um plano com um cronograma de implantação dessa certificação verde.

• Como vai funcionar a estruturação desses projetos, já que Caixa e BNDES não têm condições de abraçar todos esses projetos?

Esses dois instrumentos não têm pernas e capacidade de responder a toda a demanda que está sendo criada. Por isso, estamos tratando internamente da remodelação dos fundos de desenvolvimento regionais. Pelo menos nas regiões mais fragilizadas do ponto de vista econômico, que são Norte, Centro-oeste e Nordeste, a ideia é redefinir o papel desses fundos, para que eles também possam contratar estruturação de projetos e aumentar a amplitude dessa carteira e colocá-las à disposição da iniciativa privada.