Correio braziliense, n. 21016, 08/12/2020. Economia, p. 6

 

Inflação deve fechar o ano acima da meta

Marina Barbosa 

Carinne Souza 

08/12/2020

 

 

A inflação oficial brasileira vai ficar acima da meta de 4% estipulada para este ano pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O custo de vida, que vem sendo pressionado há algum tempo pela alta dos alimentos, começa a ser puxado por outros produtos e, neste mês, ainda será afetado pelo aumento da conta de luz. A avaliação é dos analistas consultados pelo Boletim Focus do Banco Central (BC), que ontem elevaram de 3,54% para 4,21% a expectativa para o ìndice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2020.

As projeções para o IPCA de 2020 vêm subindo há 17 semanas consecutivas por conta da alimentação no domicílio, que já ficou 11,97% mais cara neste ano devido à alta do dólar e ao aumento das exportações brasileiras. Porém, nesta semana subiram de forma mais intensa, refletindo a mudança da bandeira tarifária de energia elétrica, de verde para a vermelha patamar dois. Essa decisão aumenta em R$ 6,243 o custo de cada 100 quilowatts-hora consumidos e deve impactar em 0,48 ponto percentual a inflação de dezembro, segundo o mercado.

Esta foi a primeira vez que os analistas ouvidos pelo Boletim Focus colocaram a inflação de 2020 em um patamar superior aos 4%. Porém, não será preciso esperar o IPCA deste mês para ver o indicador anual acima do centro da meta. É que hoje o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga a inflação de novembro, e o acumulado em 12 meses deve ultrapassar a barreira dos 4%. Analistas explicam que o IPCA de novembro deve ficar perto dos 0,8% novamente, como já ocorreu em outubro, puxando para cima o acumulado dos últimos 12 meses, que foi de 3,92% em outubro.

"A alimentação continua sendo a vilã da inflação. As carnes, o arroz e os alimentos in natura ainda não cederam. Por isso, a alimentação no domicílio deve subir mais 2,5% a 3%. E a inflação não vai ficar restrita aos alimentos. Também vemos uma alta dos artigos de residência, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, e dos combustíveis", explicou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, que projeta um IPCA de 0,84% em novembro, e de 4,47% no ano.

Os economistas avaliam, no entanto, que a inflação acima de 4% não preocupa, pois ainda está dentro do intervalo de tolerância da meta, que vai de 2,5% a 5,5% neste ano. Além disso, os analistas lembram que, apesar da alta persistente dos alimentos, o que puxou as expectativas de inflação para cima da meta foi a alta da energia — um preço administrado que independe da política monetária e até ajudou a reduzir de 3,47% para 3,34% a inflação de 2021. Por isso, não projetam ajustes na taxa básica de juros (Selic), que está na mínima histórica de 2% ao ano, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa hoje.

"A inflação acima da meta será fruto de um movimento tempestivo neste ano. Só assusta quanto é fruto de um movimento de alta mais generalizado", explicou o coordenador dos índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz. Ele disse que esse espalhamento generalizado ainda não é uma realidade, mas admitiu que há o risco de ocorrer. É que a inflação está cada vez menos restrita aos alimentos, chegando a itens como transportes e bens industriais. E os próximos meses ainda podem ser de alta, pois os preços ao consumidor não absorveram todo o aumento de custos do atacado.

Segundo a FGV, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) acumula alta de 33,89% nos últimos 12 meses por conta do impacto do efeito da elevação do dólar no preço das matérias primas e dos bens intermediários. E parte dessa diferença pode chegar ao bolso do consumidor, já que o IPCA do mesmo período ainda está perto dos 4%.

Contas
É o que deve ocorrer na pizzaria administrada por Pedro Paulo Queiroz, de 37 anos. "Desde o lockdown, estamos tentando manter os preços para não perder clientes, mesmo com o aumento dos alimentos. Mas, agora, vai ser inevitável fugir da energia", lamentou. O comerciante Lúcio Carneiro, de 42 anos, tem uma loja de roupas e também está fazendo as contas para tentar lidar com a inflação. "Tenho feito de tudo para não repassar aos clientes, mas chega um momento que é difícil. Parece que tudo está aumentando, o aluguel, a gasolina, os alimentos", reclama o comerciante, que já reduziu o consumo de alimentos como arroz e óleo em casa por conta da inflação.

Braz diz que é preciso ficar atento ao resultado e à difusão da inflação nos próximos meses. "Se vier acima do esperado, será prudente o BC dar algum sinal de que está comprometido com a meta de inflação logo no primeiro trimestre de 2021", opinou. O economista do banco ABC Brasil Daniel Lima, por sua vez, frisou que esse repasse só será generalizado se a economia aquecer e a população tiver renda no próximo ano, o que pode ser difícil diante do desemprego elevado e do fim do auxílio emergencial. E lembrou que o IPA segue elevado, mas já deu sinais de desaceleração, saindo de 4,86% em outubro para 3,31% em novembro. A desaceleração é fruto, sobretudo, do recente alívio do dólar e pode ajudar a tirar pressão dos preços dos alimentos.

Por isso, o economista calcula que a inflação deve desacelerar para 3,4% em 2021 e espera que o BC só mexa na Selic no segundo semestre de 2021. "O BC deve ter refeito seus cálculos também e pode comunicar algo na ata do Copom. Porém, deve continuar enxergando o quadro inflacionário com certa tranquilidade, como um movimento temporário", opinou. Os analistas consultados pelo Boletim Focus acreditam que a Selic vai subir dos atuais 2% para 3% em 2021.

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Desemprego segura Selic 

Israel Medeiros 

08/12/2020

 

 

O Banco Central deverá manter a taxa básica de juros (Selic) em 2% até o fim do ano. A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) termina amanhã, e a dúvida é até quando esse patamar histórico será mantido. De acordo com analistas do mercado ouvidos pelo Boletim Focus, produzido pelo próprio BC, a expectativa é de que a taxa salte para 3% no segundo semestre de 2021, diante de um cenário de recuperação econômica.

Já a inflação prevista pelos analistas para este ano é de 4,21% — valor acima da meta central inflacionária, que é de 4% para 2020, e maior que os 3,54% estimados na semana passada no mesmo relatório. Na reta final do ano, a inflação tem avançado, impulsionada pelo alto valor dos alimentos, como explica José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília. Para ele, a alta do custo de vida não justifica uma alta na taxa de juros, uma vez que os efeitos inflacionários causados pela pandemia foram extraordinários.

"A inflação que vimos foi um efeito combinado da desvalorização no câmbio e também devido ao aumento do preço dos alimentos. Isso ocorreu por causa da pandemia. Os eventos são não recorrentes e, sobre isso, a taxa de juros não pode fazer muita coisa. Ela deve permanecer baixa porque, em 2021, o desemprego vai estar alto", comentou o economista, ao explicar também que a ociosidade da economia significa uma inflação contida em 2021.

Outro fator que contribui para uma inflação mais baixa e a manutenção da Selic, segundo Oreiro, é o fim do auxílio emergencial, que deve ocorrer este mês. "Isso aumenta a pressão desinflacionária. Porque, se além do auxílio emergencial houver alta de juros, haverá uma nova recessão. Em 2021, provavelmente não terá mais auxílio. Nesse cenário, não existe nenhuma razão para sugerir uma elevação da taxa de juros", pontuou.

Ele lembrou que a recuperação econômica tem sido satisfatória, ao mencionar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2020, divulgado pelo IBGE na última semana. O resultado foi 7,7% melhor que o trimestre anterior. "Para 2020, o resultado vai ser melhor do que a gente esperava em maio. Graças ao auxílio emergencial, à injeção fiscal, a economia vai ter um desempenho melhor que o esperado. Mas o ano de 2021 é muito incerto. As pessoas saíram do mercado de trabalho e vão retornar, só que, agora, com uma retirada de ritmo fiscal. Eu estou muito preocupado com a contração fiscal. Não descarto a economia crescer próximo a zero no próximo ano. Acho que, no apagar das luzes, vão estender o auxílio emergencial porque, se não estender, a situação será bem complexa", apostou.