O globo, n.31903, 11/12/2020. País, p. 11

 

Proteção às aldeias contra Covid não sai do papel

Daniel Biasetto 

11/12/2020

 

 

Cinco meses após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que o governo apresentasse um plano emergencial de combate à Covid-19 nas aldeias indígenas pouco se avançou em ações para freara doença. Relatório divulgado ontem pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) mostra que já foram registradas 889 mortes.

A taxa de letalidade entre esses povos chegou a 9,9% em maio, maior do que a média da população brasileira à época, de 6,1%, apontada como uma das mais altas do mundo. Hoje o índice está em 2,1% ante os 2,7% dos demais brasileiros. No entanto, como há subnotificação de casos, é possível que os números sofram alterações.

A primeira morte de indígena no país ocorreu em ainda março, em Alter do Chão, no Pará. O caso da anciã borari de 87 anos não fora contabilizado à época pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).

O documento de 95 páginas lançado ontem, denominado “Nossa luta é pela vida”, faz um balanço do impacto da pandemia entre os índios e conclui que a omissão do governo ao não adotar medidas de proteção aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais “está baseada no racismo institucional, que não deixa dúvidas sobre a sua política genocida”.

A Apib critica ainda a coordenação da Sesai pela falta de transparência na divulgação de dados sobre casos e mortes entre indígenas no país, além de acusar o secretário Robson Silva de tentar intimidar lideranças e promover campanha de difamação da entidade nas redes sociais e de querer criar divisões internas dentro do movimento indígena.

Em nota, a Sesai afirma que trabalha com informações e dados coletados diretamente nas aldeias e não contabiliza os casos de índios que moram em contexto urbano ou não aldeados.

A Funai também é lembrada no documento pela baixa execução orçamentária destinada ao combate à Covid-19 e da tímida atuação na implantação de barreiras sanitárias. Em julho, O GLOBO revelou que o governo apresentou um “plano fake “com barreiras sanitárias inexistentes na área de índios isolados.

— Os povos indígenas tiveram que agir por conta própria diante da omissão do governo brasileiro, que entregou, não só os povos indígenas, mas um aparcelada população brasileira à própria sorte—afirma o advogado Eloy Terena, representante da Apib nos processos que correm no STF.

Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso, que é o relator das ações da Apib no STF, confirmou que governo federal está descumprindo a ordem para implementar barreiras sanitárias contra a Covid-19 nas terras indígenas Alto do Rio Negro, Enawenê NawêeVa ledo Javari, na Amazônia. Barroso deu 48 horas de prazo para o governo tomar providências no sentido de implementar as barreiras, mas nada avançou desde então.

Há 41.250 casos confirmados de Covid-19 entre 161 povos, média de 163 casos por dia, segundo dados da Apib. O Brasil tem aproximadamente 850 mil indígenas de 305 etnias. De acordo coma Apib, mais de 81 mil estiveram em situação de vulnerabilidade durante a pandemia.

Apib e Sesai divergem em relação aos números de casos e mortes de indígenas por coronavírus. A primeira, a partir de dados coletados junto a organizações, distritos indígenas e secretarias de saúde, diz que mais de 41 mil contraíram a doença e 889 morreram. Para a Sesai foram 35.431 casos e 496 mortes.

Em nota, o Ministério da Saúde, por meio da Sesai, diz que “desde janeiro de 2020, desenvolve estratégias de proteção, diagnóstico e tratamento da Covid-19 e vem fortalecendo a rede logística de insumos e equipamentos de proteção individual, estabelecendo fluxos de atendimento nas aldeias, Polos Base e Unidades Básicas de Saúde Indígena”.

A Advocacia Geral da União, que defende o governo no processo que corre no STF, e a Funai não se manifestaram.