O globo, n.31903, 11/12/2020. Sociedade, p. 14

 

À beira dos 180 mil mortos

Evelin Azevedo 

Jan Niklas 

Rodrigo de Souza 

11/12/2020

 

 

Às vésperas de o Brasil chegar a 180 mil mortes causadas pela Covid-19 e com sete capitais com ocupação de leitos de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) acima de 90%, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem que o país está vivendo o “finalzinho da pandemia”. A declaração foi dada em inauguração de trecho da ponte do Guaíba, em Porto Alegre (RS).

A afirmação contraria o que mostram os números. Ontem, foram registrados 769 óbitos e 53.359 novos casos da doença — já são 179.801 vidas perdidas e 6.783.477 infectados no país. A média móvel está em 642 mortes, 35% maior do que o cálculo de duas semanas atrás. O país tem 22 unidades federativas com tendência de alta, três em estabilidade e apenas duas em queda.

Campo Grande é a capital que mais sofre para internar seus pacientes: todos os leitos de UTI destinados a pessoas com Covid-19 foram ocupados. Por isso, foi necessário instalar novos leitos, que ainda não foram oficialmente integrados ao SUS, mas que são mantidos pelas secretarias municipais de Saúde e pela própria secretaria estadual. Isso explica a ocupação acima de 100%.

No Hospital Regional da capital sul-mato-grossense, referência para tratamento contra o coronavírus, o pronto atendimento a pacientes com a doença está à beira do colapso: 20 pessoas estão na sala destinada a casos menos graves, que tem capacidade para 13 vagas. Os setores de nefrologia e endoscopia, que foram adaptados para receber pacientes graves com Covid-19, também estão lotados, mesmo com os novos leitos de UTI abertos na última semana.

As outras capitais com ocupação superior a 90% nas UTIs de Covid no SUS são Boa Vista, Curitiba, Florianópolis, Rio de Janeiro, Porto Velho e Porto Alegre. Há outras duas capitais com ocupação acima dos 80%: Vitória e Recife.

Os estados de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul também estão com suas UTIs públicas destinadas à Covid-19 com ocupação superior a 80%, o que eleva o risco de faltar leito para novos pacientes.

No intuito de abrir mais vagas de UTI para atender pacientes de Covid-19 e também para outras enfermidades graves, hospitais públicos e privados estão suspendendo, novamente, cirurgias eletivas e transformando enfermarias em alas de terapia intensiva.

Em meio a esse cenário, a afirmação de Bolsonaro pode  ter consequências graves, dizem especialistas.

— Essa é uma fala muito grave porque autoriza que as pessoas saiam na rua sem máscara, se aglomerem. É uma fala muito irresponsável, muito indiferente à vida humana, ao sofrimento. O presidente sabe que há um aumento no número de casos e óbitos, ele não é desinformado. Se ele fosse médico, seria acusado de imperícia, negligência e omissão (por essa afirmação) — afirma Ligia Bahia, especialista em Saúde Pública da UFRJ e colunista do GLOBO.

Com as festas de fim de ano chegando, considerar que se pode relaxar o isolamento pode trazer consequências graves para a saúde da população brasileira, avalia a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e colunista do GLOBO:

— As pessoas já estão exaustas da quarentena prolongada e querem que isso (final da pandemia) seja verdade. Temos um percentual da população que respeita e acredita no que o presidente fala e que pode relaxar ainda mais as medidas, sendo que esse relaxamento é o que nos trouxe a este novo momento de aumento de casos. Essa pode ser a brecha para as pessoas viajarem, visitarem seus pais idosos. Isso pode trazer consequências ainda mais graves para o ano que vem.

SEM ILUSÃO

A ideia de que a vacina trará imediatamente de volta a rotina existente antes da pandemia é ilusão, acrescenta o infectologista Marco Antonio Cyrillo, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). A imunização, neste primeiro momento, tem o objetivo de evitar os casos severos da doença.

— As vacinas certamente vão ajudar no combate à Covid-19, fazendo parte do pacote de medidas contra o vírus, mas ainda teremos doentes com quadros mais leves e com potencial de transmitir. Não é porque você tomou a vacina que pode ficar totalmente tranquilo. As medidas já implementadas pelos órgãos oficiais vão ter que continuar sendo seguidas rigorosamente com ou sem a vacina. Não podemos mudar os hábitos nos primeiros meses do ano que vem até saber como os vacinados vão responder à imunização. Tudo isso é muito prematuro.

Até o momento, o país não tem nenhuma vacina contra a Covid-19 aprovada pela Anvisa, nem um plano nacional de imunização.

Na última quarta-feira, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, disse que o preço que o país paga por relaxar as medidas de combate ao coronavírus é ter 590 mortes ao dia, e isso não é aceitável. Diferentemente do presidente brasileiro, ela pediu que o Parlamento aprove restrições mais severas em todo o país.

—Os cientistas estão praticamente implorando para os alemães verem menos gente antes de passar o Natal com os avós ou este pode acabar sendo o último Natal com os avós.

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Rio amplia UTIs privadas, mas lotação ainda é de 98%

Pedro Zuazo 

11/12/2020

 

 

Apesar da corrida para abrir novos leitos para Covid-19, os hospitais particulares do Rio não conseguem evitar a superlotação de suas UTIs. A taxa de ocupação desses leitos voltados para pacientes graves já atinge 98%. A informação é de Graccho Alvim, diretor da Associação de Hospitais Privados do Estado do Rio. O percentual é o mesmo da semana passada, embora, desde então, novas vagas tenham sido abertas. Diante disso e da contínua alta de casos na cidade, a rede privada teme um colapso:

— É preocupante. O atendimento de urgência não foi maior do que na semana passada, mas percebemos que os pacientes apresentam quadros mais graves. Há unidades já estão encaminhando pacientes para Niterói e outras cidades —diz Graccho.

A ocupação já atingiu a taxa de 100% nos hospitais privados da Região dos Lagos e da Baixada Fluminense, segundo dados fornecidos pela associação. Em Volta Redonda, a ocupação está em 90%. Niterói, que na semana passada tinha 76% dos leitos ocupados, hoje está em 88%.

Em uma tentativa de criar uma força-tarefa para a abertura de novos leitos, representantes de redes de hospitais particulares se reuniram com a Secretaria estadual de Saúde, na semana passada, mas nada foi definido.

De acordo com Graccho, os hospitais estão precisando lidar com um novo desafio que não se apresentava no início da pandemia: o acúmulo das filas de pacientes que sofrem de outras doenças e que, em março, diante da chegada do coronavírus ao estado, tiveram seus atendimentos adiados.

— Naquela época, não tinha fila de espera para outras doenças. Agora, o fator complicador é que temos que tratar pacientes de todas as outras doenças e conciliar com a Covid-19 —diz o diretor da associação, acrescentando que já acontece de o paciente ficar na emergência aguardando transferência para a internação.

Foi o caso do Hospital Copa Star, em Copacabana, da Rede D’Or São Luiz, que, na terçafeira, abriu 15 novos leitos de UTI para Covid, além dos 30 já disponíveis no primeiro andar do hospital. De acordo com fontes, às vésperas da ampliação, havia quatro doentes na emergência à espera de vaga. Mesmo assim, o hospital já tem 42 dos 45 leitos ocupados.

Em nota, a Rede D’Or São Luiz não comentou a situação específica do Copa Star, mas informou que “até haver tratamento ou vacina para a Covid-19, os hospitais permanecerão mobilizados, seguindo as orientações e normas do Ministério da Saúde”, e com fluxos separados de pacientes com síndrome respiratória dos demais atendimentos”.

Na avaliação do secretário-executivo da Confederação Nacional de Saúde, Bruno Sobral, a rede privada de hospitais terá capacidade de suprir a demanda:

— Os hospitais vão aumentar os leitos de acordo com a demanda. Às vezes é preciso abrir uma ala, às vezes um andar novo inteiro.

As unidades do Hospital Samaritano também têm sido mais procuradas, mas a direção explicou que opera dentro de sua capacidade e monitora os casos para eventual necessidade de aumentar a oferta de leitos e de profissionais.