O globo, n.31903, 11/12/2020. Economia, p. 23

 

Corrida para leiloar aeroportos da Infraero

Geralda Doca 

Janaina Lage 

11/12/2020

 

 

O governo corre para cumprir o cronograma de concessão de aeroportos e repassar os que estão sob gestão da Infraero ao setor privado. Na próxima semana, será divulgado o edital de licitação de 22 terminais, marcado para 26 de março, no primeiro leilão do setor após o início da pandemia, que inclui Curitiba, Manaus e Goiânia. Serão anunciadas também as bases para o certame de Santos Dumont e Congonhas — considerados as joias da coroa — além de outros 14 terminais que serão licitados no primeiro semestre de 2022. Um aspecto já foi definido: não haverá restrição à participação de operadores que já atuam no país. Na prática, nada impediria, portanto, que o concessionário do Galeão disputasse a administração do Santos Dumont, por exemplo.

Além de questões relacionadas à infraestrutura, há um componente fiscal na equação do governo. A Infraero está prestes a ser declarada empresa dependente do Tesouro. Caso isso ocorra, teria dificuldade para administrar os ativos. O Tribunal de Contas da União (TCU) pressiona o Executivo a apresentar um relatório detalhado com previsão de receitas e despes aspara demonstrara sustentabilidade da estatal. Se continuara depender de recursos da União, o Ministério da Economia deverá apresenta rum plano de transição para incluir a empresa no Orçamento. Ela ficaria dentro do limite do teto de gastos, a regra fiscal quer estringe o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior. Na prática, seria mais um complicador para o cumprimento da norma, que é a principal referência de credibilidade junto a investidores.

O Ministério da Infraestrutura, responsável pelo setor, informou que os fluxos de caixa da Infraero, aliados à redução do quadro de pessoal e a medidas de gestão, mostram que ela tem condições de se manter. Mas, mesmo assim, a concessão de todos os aeroporto sé decisão de governo, e há planos para liquidara estatal.

Para especialistas, a decisão do governo de seguir com o cronograma de leilões é acertada, pois trata-se de concessões com horizonte de 30 anos. Isso não significa, porém, que licitar terminais após meses de pandemia nos quais o setor aéreo foi um dos principais afetados pela crise seja tarefa trivial. Um dos riscos apontado sé ode arrecadar menos do que poderia. Uma das iniciativas para tornar o certame mais atraente foi retirara obrigatoriedade da presença de operadores de aeroportos como sócios dos consórcios. Isso permite que um fundo de investimento arremate um terminal e depois contrate o operador.

— É ousado fazer leilão em 2021 porque estamos vindo de um ano de pandemia, mas temos boas oportunidades, os ativos são bons, e o mercado brasileiro doméstico vem se recuperando bem — afirmou o secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann.

Segundo a Associação Nacional de Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa), o setor deve fechar o ano com receitas entre 50% e 60% do registrado em dezembro do ano passado.

Nos primeiros certames, o governo buscou estimulara concorrência entre aeroportos. O objetivo era gerar competição de tarifas e atrair voos para terminais com preços mais atraentes. Como os que serão licitados em março têm perfil mais local, dificilmente se converteriam em centros de distribuição de voos, roubando rotas de mercados mais consolidados. Ao permitir que operadores que já atuam no país participem, a ideia seria aumentara competição, segundo especialistas. O lance mínimo pelo conjunto dos terminai sé de R $189,9 milhões, e eles precisam ser pagos à vista. Os investimentos estão estimados em R$ 6,1 bilhões.

Mas o cenário se complica nos casos de Santos Dumont e Congonhas, em que há operadores que atuam em aeroportos nas mesmas cidades.

—O ideal é que haja uma separação para permitir uma concorrência entre os aeroportos. Se o operador do Galeão levar Santos Dumont, e o de Guarulhos, Congonhas, será péssimo para a população. Toda vez que tem concentração no mercado, oserviçoé piorem aisc aro—disse o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados.

‘RISCO É SUPERESTIMAR’

Para Jorge Leal Medeiros, professor da Poli-USP e especialista em aviação, na conta do governo entra o risco de atraso caso os operadores recorram à Justiça:

— É complicado ter dois terminais com o mesmo operador, mas é muito mais complicado impedir que participem. O governo verificou que isso poderia ser contestado judicialmente.

Para Cleveland Prates, ex conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), somente o viés da arrecadação explica a decisão do governo. Ele aponta riscos adicionais nos próximos certames em razão da mudança estrutural que deve ocorrer no mercado de aviação após a pandemia. Tradicionalmente, o passageiro mais rentável é o de negócios, mas a expectativa é de redução neste segmento à medida que executivos e empresas aprenderam a otimizar tarefas remotamente, com videoconferências.

— O risco é superestimar o valor do aeroporto. Pode ser bom em um primeiro momento para o governo, mas poderia virar um mico adiante. Mais do que nunca as empresas serão conservadoras na sua perspectiva de receita. Talvez uma boa estratégia seja delinear o negócio com foco também em outras atividades, como lojas, estacionamento, entre outros. Historicamente, para cada 1% de aumento de renda, a demanda por viagens crescia 2%. Já não se sabe se isso será verdade daqui para a frente —afirmou Prates.

O primeiro passo para o leilão de Santos Dumont e Congonhas são os estudos de viabilidade econômica. A tendência é que sejam mantidas as regras atuais de leilão. Os contratos terão duração de 30 anos e investimentos entre R $4 bilhões e R $5 bilhões. Quem arrematar o Santos Dumont terá de levar Jacarepaguá e três terminais de Minas Gerais (Uberlândia, Uberaba e Montes Claros). No caso de Congonhas, entram no pacote o Campo de Marte e terminais de Mato Grosso.