Título: Crise é janela para o Brasil
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 28/09/2008, Economia, p. E1

ENTREVISTA : PAULO RABELLO DE CASTRO

Economista está cético quanto à forma de socorro a instituições americanas sob risco de falência.

Expoente da escola de Chicago no Brasil, o economista Paulo Rabello de Castro é incisivo ao afirmar que o pacote americano para tentar salvar da falência instituições financeiras dos Estados Unidos, nos moldes em que está sendo negociado, nada vai resolver. Apenas vai pedalar para a frente, e a custo maior, os efeitos da maior onda de especulação imobiliária de todos os tempos, responsável pela bancarrota, até pouco impensável, de muitos dos gigantes da finança americana. Chairman da única agência de classificação de risco no Brasil, a SR Ratings ­ que, digas-se de passagem, ainda não deu grau de investimento ao país ­ é contundente ao classificar como dissonância cognitiva, ou paralaxe da ignorância, a afirmação de colegas economistas de que as medidas estatizantes em gestação nos EUA significam a morte do liberalismo. A seguir, trechos de entrevista que concedeu ao Jornal do Brasil.

Uma crise chamada Greenspan

O nome desta crise é Allan Greenspan. Nada disso teria acontecido se a taxa de juros dos Estados Unidos não tivesse baixado para 1%. Ele simplesmente errou na mão e provocou a maior especulação imobiliária de todos os tempos nos Estados Unidos e com respingos até na Europa e na China. Havia uma ideologia do sucesso permanente. Greenspan e o mercado acharam que o crescimento era infinito. Inventaram até a expressão "nova economia", esquecendo que o crescimento ininterrupto por quase 10 anos da era Clinton era apenas parte de um ciclo. E quando alguém manifestava reservas diante daquela movimentação desenfreada, com empilhamento de compromissos cruzados e com concessão de bônus milionários para executivos a partir de operações não liquidadas, às vezes permeadas por fraude, a resposta do então presidente do Fed era everthing is OK.

A questão dos juros

A taxa de juros elevada é o ativo tóxico do Brasil, e um erro simetricamente oposto ao cometido por Greenspan. Temos que evitar atrair dinheiro, com uma política monetária mais neutra e uma política fiscal o mais ativa possível, com muito planejamento.

Queda certa

Nesta fase de ajustamento, po- dem inventar o pacote que bem entenderem, mas o fato é que vamos cair. A maneira como vamos cair é que depende de como o pacote será administrado. Se não for feito um encontro de contas dessa montanha de ativos contaminados, teremos um pacote que apenas pedala a crise para diante. Os mercados já têm percepção, ainda que incompleta, de que talvez não dê certo.

Capitalismo criativo

Não é porque a água do banho do bebê ficou suja que devemos jogá-la fora com criança e tudo. A crise não invalida a criatividade do capitalismo, que foi capaz de criar poder de compra para uma parcela da população que, de outra forma, levaria uma vida inteira para comprar bens essenciais na vida moderna. Os instrumentos de mercado criados continuam válidos, só devem ficar sob uma supervisão mais estrita.

Erro de avaliação

Não se pode dizer que tudo nos Estados Unidos acontecia sem qualquer controle. Havia várias agências que controlavam e sabiam das operações. O que houve foi que elas erraram na avaliação do contexto em que elas eram realizadas, e que deteriorou-se com a início da desvalorização dos imóveis, depois de uma euforia que hoje vemos como absolutamente injustificada, diante dos riscos que trazia embutidos.

Contextualização necessária

Daqui para a frente, o que deve mudar é a forma de vigilância e a avaliação de risco sobre as operações do mercado. Tudo deve ser considerado dentro de um contexto macroeconômico, observando não apenas a pintura em si, mas sua moldura, sem a qual a obra do pintor mais talentoso pode desmoronar.

República de banana

O fato de os EUA estarem ado- tando agora fórmulas que condenavam nos países emergentes não significa que os americanos estejam curvando-se diante da genialidade do Terceiro Mundo. Apenas que os Estados Unidos estão se tornando uma república de banana.

O custo Bush

O que havia, na verdade, era uma conspiração de otimismo sem base, e neste processo destaca-se a figura canhestra de George W. Bush que, ainda por cima, arranjou uma guerra para minar as finanças do governo.

Duro aprendizado

O sistema tem que aprender, e vai aprender duramente, abandonando a imprudência e a falta de transparência. A melhor forma de não repetir o erro é não negar sua origem. Continuar fazendo o diagnóstico errado, dizendo que só havia um problema de controle é um problema maior ainda.

Uma estratégia

Na crise, surge a hora de ino- var. Muito mais racional do que pagar pelos ativos contaminados seria estabelecer uma concordata seletiva e condominial, para segregar-se dos balanços os ativos contaminados. Seriam contempladas no processo todas as instituições envolvidas, que teriam que fazer um aporte de recursos para o encontro de contas. É algo que até agora não esta previsto na legislação americana. Desta forma seria feito um encontro de contas para ir resolvendo a questão das dívidas cruzadas. Seria uma freada de arrumação, um mata-mata em que quem já estivesse quebrado ficaria fora. Depois disso, entraria o Estado, dando suporte para acelerar o processo. Do jeito que estão fazendo, haverá um mata-mata, a corporação estatizada ficará com a responsabilidade, e o gasto será maior

Janela para o Brasil

No grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), nosso país é o menos vulnerável. Mas é um erro dizer-se que nada de maior acontecerá aqui. Até agora, ninguém falou que a economia brasileira é relativamente frágil. Ainda vamos nos surpreender com o grau de interação que temos com a crise americana. De qualquer maneira, abre-se uma janela para o progresso, talvez a única em 20 anos. O sucesso exige planejamento, e não pode prescindir de uma reforma tributária.