Correio braziliense, n. 21018, 10/12/2020. Política, p. 2

 

De olho no Câmara, Planalto rifa ministro

10/12/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro comunicou, ontem, ao ministro do Turismo, Marcelo Antônio, que ele seria demitido do cargo. A exoneração já vinha sendo ventilada, há algum tempo, e o motivo seria a disputa pelo comando da Presidência da Câmara dos Deputados, mas a dispensa só deveria ocorrer no próximo ano.

Para substituí-lo, o chefe do Executivo escolheu Gilson Machado, atual presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). A saída de Antônio deve constar na edição de hoje do Diário Oficial da União. Ainda ontem, Machado esteve com Bolsonaro no Palácio do Planalto, para tratar do assunto.

Ele, entretanto, deve ficar no cargo de ministro do Turismo de forma temporária, até que ocorra a próxima reforma ministerial, marcada para o começo do próximo ano. A ideia do Planalto é negociar com aliados do Congresso um nome para o posto e, com isso, garantir mais apoio a favor do nome de Arthur Lira (PP-AL) para Presidência da Câmara. O líder do Centrão confirmou, ontem, a sua candidatura, e conta com articulação do Executivo para se eleger .

Apesar do fato de que a exoneração de Antônio só estava prevista para 2021, a situação do ministro tornou-se insustentável depois que ele trocou farpas com o chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, em um grupo de ministros no WhatsApp. Em uma das mensagens, Antônio chamou o colega de "traíra" e disse que o general "de forma covarde" ataca "sem parar" os apoiadores conservadores do presidente.

Em seguida, ele ressaltou que Ramos deveria ter aprendido que não se abandona um "companheiro de guerra aos inimigos" e que não se pode "atirar na cabeça de um aliado". No fim, acusou o chefe da articulação do governo de "conspirar" para tirá-lo do cargo. As mensagens irritaram Bolsonaro, que optou por demiti-lo.

Nem o Ministério do Turismo nem o Planalto confirmaram a exoneração oficialmente. Entretanto, o filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foi às redes sociais parabenizar o futuro novo titular da pasta. "Desejo boa sorte a Gilson Machado, que vinha fazendo bom trabalho como presidente da Embratur e, agora, se torna novo ministro do Turismo", escreveu.

Aliado e denunciado
Aliado de Bolsonaro desde os tempos em que o presidente era deputado federal, Marcelo Antônio comandava o Ministério do Turismo desde o começo do governo. O chefe da pasta estava com o, agora, chefe do Executivo, quando ele sofreu o atentado a faca durante ato de campanha, em Juiz de Fora (MG).

Eleito deputado federal pelo PSL, Antônio foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais por crimes relacionados à apresentação de candidaturas de fachada do partido nas eleições de 2018. Segundo o MP, na condição de presidente estadual da legenda, ele participou da inscrição de candidaturas laranjas de mulheres para permitir o desvio de recursos do fundo eleitoral.

Após o indiciamento de Antônio pelo MP, o caso deixou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa do ministro pede a anulação do inquérito, alegando que ele foi investigado de forma ilegal pelas autoridades mineiras, já que tem foro especial. O processo é relatado pelo ministro Gilmar Mendes.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Amigo fiel e sanfoneiro 

10/12/2020

 

 

Fiel amigo do presidente Jair Bolsonaro, o novo ministro do Turismo, Gilson Machado, é conhecido por acompanhar o chefe do Executivo em viagens pelo Brasil e por ser figura constante nas lives presidenciais, em que costuma tocar sanfona. Ele substituirá Marcelo Álvaro Antônio para um período "tampão".

Atual presidente da Embratur, Machado é aliado de Bolsonaro desde a campanha presidencial e participou da equipe de transição. Antes de ser nomeado para o comando da agência de fomento ao turismo, atuava como secretário nacional de Ecoturismo e Cidadania Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente, onde também exerceu o cargo de secretário de Florestas.

No fim de junho, Machado, que é de Recife, ganhou destaque depois de tocar Ave-Maria na sanfona durante uma transmissão ao vivo do presidente. A música foi uma homenagem às vítimas da covid-19. Naquele dia, 25 de junho, o país registrava mais de 55 mil mortes pelo novo coronavírus. Ele chegou a dar aulas do instrumento ao presidente.

O novo ministro do Turismo também participou da criação do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro e os filhos tentam criar. Na última terça-feira, ele esteve no lançamento do Instituto Conservador-Liberal do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O fator Ramos 

10/12/2020

 

 

Esta não é a primeira vez que o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, teve o nome envolvido em hostilidades com outros integrantes do governo. Em outubro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou o general nas redes sociais e pediu para que ele parasse com a “postura de Maria Fofoca”. A publicação do titular do Meio Ambiente acompanhou a reportagem do jornal O Globo, que dizia que Salles estaria “esticando a corda com a ala militar do governo” ao afirmar que brigadistas do Ibama cruzariam os braços por falta de orçamento da pasta. Salles teria informações de que Ramos trabalhava para minar a atuação dele no ministério. O episódio expôs insatisfações sobre a atuação de Ramos, que há meses passou a nutrir fama de “vazador” de informações contra colegas, motivo pelo qual ganhou o apelido de Maria Fofoca. A ala ideológica do governo também reclamou de Ramos, pois viu, nele, um dos principais responsáveis pela aproximação de Bolsonaro com o Centrão. O histórico do general inclui pressão sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sobre o ex-líder do governo na Câmara Major Vitor Hugo (PSL-GO). Ele também teria incomodado a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, por causa de nomeações que fez na pasta.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Nas entrelinhas: Tudo ou nada na Câmara 

Luiz Carlos Azedo 

10/12/2020

 

 

Troca de farpas pelas redes sociais e, depois, um bate-boca na antessala do presidente Jair Bolsonaro derrubaram, antes da hora, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e pode resultar, também, no deslocamento do general Luiz Ramos, que sai desgastado do episódio, da Secretaria de Governo, ou seja, do cargo de articulador político do governo. A trombada entre ambos foi um efeito colateral das articulações de Ramos para fortalecer a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) a presidente da Câmara, da qual também faz parte a reforma ministerial em discussão no Palácio do Planalto. Marcelo Álvaro Antônio é ligado aos filhos de Bolsonaro, que vivem às turras com os militares do governo.

Ramos teria colocado o Ministério do Turismo na mesa de negociações com o Centrão, convidando para o cargo o deputado Roberto Lucena (Podemos-SP). O ministro ficou sabendo e partiu para cima do general, acabou demitido por Bolsonaro. O presidente da Embratur, Gilson Machado, assumiu interinamente a pasta. Agora, cogita-se que Ramos vá para a Secretaria-Geral da Presidência, entregando a Secretaria de Governo para o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PP), um dissidente do PP e aliado de Rodrigo Maia, que passaria a ser o novo articulador político do governo. Bolsonaro está indo para uma espécie de tudo ou nada no Congresso, que pretende controlar. Contava com a reeleição de Alcolumbre, mas o veto do Supremo Tribunal Federal (STF) à recondução atrapalhou seus planos; em contrapartida, a candidatura de Arthur Lira, na Câmara, está de vento em popa.

Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),  que ainda não tem candidato à própria sucessão, acusou Bolsonaro de estar “desesperado” para controlar o Congresso. A pauta da Câmara é o ponto de partida para a agenda de Bolsonaro, cujo eixo é o desmonte da legislação relativa aos direitos humanos e ao meio ambiente e dos instrumentos de controle institucional da sociedade sobre o Executivo. Para levar adiante muitas de suas propostas, o chefe do Executivo precisa do apoio do presidente da Câmara. Quando Maia diz que o Palácio do Planalto está jogando pesado, isso significa que não está economizando cargos e verbas para obter apoio parlamentar, o tradicional toma lá dá cá.

Rolo compressor

Arthur Lira anunciou sua candidatura, ontem, com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do Pros (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais de 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 parlamentares, aproveitando o fato de que a liderança de Maia se enfraquece, porque ainda não tem um candidato que atraia os votos da oposição e seu mandato está terminando. A expectativa de poder que Lira oferece não é a ocupação de espaços na própria Câmara, moeda de troca com a qual Maia não conta mais, são os cargos e verbas do governo federal.

Para um presidente da República que chegou ao poder com uma narrativa antissistêmica, que renegava o jogo parlamentar e o chamado presidencialismo de coalizão, a mudança de rumo só tem uma explicação: o fracasso na implementação da agenda de governo. As reformas de Bolsonaro não foram adiante, com exceção da previdenciária, que já estava com meio caminho andado no governo de seu antecessor, Michel Temer. Ontem, Maia chegou a ironizar o atraso na aprovação da PEC Emergencial, cuja tramitação o governo resolveu iniciar pelo Senado. Disse que vai encomendar um bolo para comemorar um ano de atraso da proposta do governo, que está parada até hoje.

Não se sabe, ainda, o custo das articulações para garantir a vitória de Lira, mas já se sabe que as negociações para isso são feitas no âmbito da pequena política, com todos os riscos que isso oferece do ponto de vista republicano. Na grande política, o governo Bolsonaro perdeu completamente o rumo, ninguém sabe em que direção pretende ir. A base que montou no Congresso tem um viés conservador nos costumes e populista na economia, o que vai complicar o enfrentamento da crise.

A propósito, ontem, o Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 2%, apesar da alta da inflação, interrompendo as especulações do mercado. Atribuiu a alta de preços ao impacto do dólar nas exportações e avaliou que a situação é sazonal, ou seja, os preços vão cair. No mercado, porém, as maiores preocupações são com a dívida pública, que chegará a R$ 1 trilhão, e com a segunda onda da pandemia, cujo impacto nas atividades econômicas vai depender da efetividade da campanha de vacinação contra o novo coronavírus.