Título: Descaso com o sistema educacional
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 29/09/2008, Opinião, p. A8

NO Brasil ¿ país que integra o grupo dos mais prósperos emergentes ¿ o crescimento econômico cada vez melhor contrasta com os índices de desenvolvimento social. Em uma realidade marcada por brutal desigualdade, a educação, ferramenta para se construir uma sociedade mais justa, historicamente nunca recebeu devida atenção. Ainda assim, o governo vem comemorando o fato de que, a cada ano, mais alunos matriculam-se nas escolas. Esquece-se, no entanto, que atender ao crescimento da demanda é também aperfeiçoar as instituições com a velocidade necessária, tanto em aspectos relativos à infra-estrutura quanto no preparo intelectual dos professores.

A ausência de bases sólidas para o setor, de acordo com estudo divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), resulta em indicador preocupante. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad ¿ 2007), o Brasil tem 2,4 milhões de crianças entre 7 e 14 anos analfabetas. E o pior: destas, 2,1 milhões (87,2%) freqüentavam a escola em 2007.

O estudo se divide em cenários diversos que colocam, igualmente, em posição desconfortável o Ministério da Educação (MEC). Este, por intermédio de outro documento oficial, o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), comemorou avanços em relação a 2006 ¿ mas que agora encontram-se soterrados pela recente avaliação do IBGE.

Na contramão das melhorias divulgadas pelo MEC, a radiografia da Pnad mostra, ainda, que um entre quatro estudantes está dois anos atrasado nos estudos. O maior problema verifica-se na 5ª série do ensino fundamental, onde 30,8% dos estudantes tinham 13 anos de idade ou mais, e na 8ª série, em que 30,4% estavam acima dos 16 anos.

O ministério já manifestou descontentamento em relação a esses indicadores, em especial ao número de estudantes analfabetos. Entretanto, ainda não revelou como pretende corrigir as distorções. Em vez disso, busca brindar o distinto público com dados estatísticos incompletos, que mostram a educação brasileira como referência.

Um entrave a uma das maiores chagas do país, infelizmente, é de caráter recorrente e reside em um detalhe marcante do comportamento de nossas autoridades. Presidentes, governadores, prefeitos, deputados não acompanham de perto o desenvolvimento educacional e fazem-se presentes em apenas duas ocasiões. No lançamento da pedra fundamental e na inauguração da obra ¿ muitas vezes inacabada, porque o mandato eletivo chega ao fim antes da conclusão. Depois disso, consideram a missão cumprida e deixam para trás o empreendimento, não lhe assegurando recursos necessários para a continuidade.

Atrelado a isso, há pontos importantes a serem considerados, como a relação diretamente proporcional entre os índices de qualidade de vida onde reside o aluno e o seu desempenho escolar; crianças de favelas que se arriscam entre as balas perdidas no trajeto escola-casa; ou outras que se vêm obrigadas a trabalhar cedo para ajudar no sustento familiar. Querer exigir desses alunos desempenho semelhante ao de estudantes de classe média ¿ alicerçados por estruturas como aulas de reforço e estabilidade financeira ¿ é como não enxergar a realidade.

Promover o desenvolvimento de ações localizadas poderia ser uma saída para problemas crônicos como as recorrentes falhas no sistema educacional brasileiro. Priorizar recursos disponíveis, não só do MEC, mas também dos governos locais em áreas que necessitam de maior atenção, além de melhorar a qualidade da merenda, levar saneamento onde não há e reduzir índices de violência são algumas ações que precisam caminhar lado a lado.

Caso contrário, o Ideb¿2008 continuará sendo apenas aparentemente "melhor" que o de 2007. E, do mesmo modo, quase nada se terá avançado.