O Estado de São Paulo, n.46344, 05/09/2020. Economia, p.B7

 

Entrevista - Marcio Bittar: "Não haverá gasto mínimo para saúde e educação"

Marcio Bittar

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

05/09/2020

 

 

Senador diz ter sinal verde de Bolsonaro e Guedes para acabar com regra que estabelece vinculação de recursos para as áreas

A aplicação mínima de recursos nas áreas de saúde e educação prevista hoje na Constituição será extinta no relatório que o senador Marcio Bittar (MDBAC) vai apresentar sobre a chamada PEC do pacto federativo e a proposta de Orçamento para 2021. Em entrevista ao Estadão/broadcast, Bittar diz ter acertado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o próprio presidente Jair Bolsonaro o fim da vinculação de recursos para as duas áreas. "É polêmico, mas tem de fazer", defende. A seguir, os principais trechos da entrevista:

A proposta de Orçamento foi criticada pelo irrealismo, por não tem recursos para o Renda Brasil e já exibir despesas muito justas.

Tenho certeza absoluta de que o programa terá de ser criado, não há escapatória. A realidade não vai mudar em janeiro (de 2021) num passe de mágica. O Estado terá de continuar provendo essas pessoas.

De onde tirar o dinheiro?

Tem desperdício, e onde ele está? No tamanho da máquina do Estado. Essa situação de estabilidade geral, total e irrestrita para todo mundo, não há quem suporte. A reforma administrativa não mexe com quem já está no setor, mas é, sim, uma grande contribuição para o amanhã. Se dependesse de mim, mexeríamos, sim (nos servidores da ativa). Mas é muito melhor que nada.

A reforma administrativa não tem economia grande no curto prazo, e o presidente já disse que não quer mexer em benefícios como abono. Como vai criar o espaço para o Renda Brasil e os investimentos?

A reforma já traz, sim, indicativo de economia. Ela já aponta para o corte de uma série de vantagens, brechas que foram sendo criadas por alguns Poderes e algumas categorias. Claro que isso não é suficiente.

Onde mais pode cortar?

Supersalários. E tem outras pistas. A desindexação, a desoneração, tem uma série de empresas que foram beneficiadas e não se justifica mais.

E os gatilhos, como ficam?

Quando a farra com o dinheiro for tão grande e as despesas chegarem, nos municípios e Estados, a 95% das receitas correntes líquidas, os gatilhos serão acionados. Tem uma lista grande, mas fundamentalmente fica proibida a contratação de pessoal e (realização de) novos concursos públicos. Em até 25%, poderá haver corte de jornada e de salários.

Os gatilhos podem ser acionados no ano que vem?

Podem. Vemos os Poderes gastando tudo com o serviço público. Chega uma hora que estoura. A PEC propõe (o fim de) aquilo que não deveria ter existido, que é vinculação. É uma contradição do Congresso querer ter mais influência no Orçamento quando tem 96% das despesas vinculadas. E o pior é um vinculação que não deu resultado.

O que será desvinculado?

Educação e saúde. Desvincula. É incrível como ficou uma lavagem cerebral, dizer que o problema da educação no Brasil é mais recurso. É brincadeira! E a educação não melhorou. Estamos um vexame na educação. Deixa que o município, o Estado, a União façam o seu orçamento. Quem é o Congresso para decidir sozinho o que é mais importante para mais de 5 mil municípios? O diagnóstico da educação, não há quem discorde: estamos falidos.

A proposta do governo fala em unificação dos mínimos. Vai alterar isso?

Alterei com o consentimento do ministro (da Economia).e com a aprovação do presidente da República. Eu conversei também com o presidente do Senado (Davi Alcolumbre).

Não vai ter mais mínimo para educação e saúde?

Se depender de mim, não. O Congresso tem de pensar no País.

Na prática, não vai tirar dinheiro da saúde e educação, que o sr. mesmo diz que estão com diagnóstico ruim?

Ninguém vai tirar um real. Apenas estamos devolvendo ao Estado e ao município o poder de legislar sobre o dinheiro dele.

Não é uma medida contraditória com a aprovação recente do novo Fundeb, com mais recursos vinculados para a educação?

Sim, é contradição porque está na mesma linha ideológica. Mas é hora de discutir o conjunto. Todo mundo sabe que a educação está uma porcaria.