Título: Texto já recebeu 492 alterações
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Jornal do Brasil, 29/09/2008, País, p. A11

Ao contrário do pobre Bosque da Constituinte, Carta se mantém, mas com 62 emendas.

BRASÍLIA

A cinco quilômetros do Congresso, no Bosque da Constituinte, não é mais possível encontrar as 585 árvores da flora brasileira ¿ como ipê, pau-brasil, jacarandá e aroeira ¿ que foram deixadas há quase 20 anos, como uma espécie de termômetro para a democracia. Por lá, restam em pé apenas 264 mudas e sem referência alguma de paternidade. Mas não foram só as árvores que não resistiram à pressão do tempo.

Ao contrário do bosque, a Constituição Federal vai resistindo, mas não sem mudanças, cada vez mais profundas. A Carta Magna já recebeu 62 emendas, que alteraram, revogaram ou fizeram acréscimo de texto em nada menos que 117 dos 250 artigos. Deputados e senadores também incluíram outros 25 artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que, no dia de sua promulgação, contava com 70 artigos. Ao todo, foram 492 alterações no texto original da Constituição. No Bosque dos Constituintes, nada de acréscimos. As mudas foram plantadas no dia 5 de outubro de 1988 ¿ no mesmo dia em que a Carta Magna brasileira foi promulgada ¿ em homenagem aos parlamentares que garantiram, no Capítulo VI (artigo 225), a preservação do Meio Ambiente.

Naquele dia, o deputado Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembléia, jogou terra sobre uma muda de pau-ferro e lançou previsões que, se levadas ao pé da letra hoje, já teriam esfriado a temperatura da democracia. "A Constituição passará, mas os constituintes permanecerão para a eternidade enquanto o bosque durar", declarou.

O bosque, hoje, enfrenta problemas. Em 2003, muitas espécies foram retiradas para dar lugar a um prédio do Ministério da Cultura: a Fundação Israel Pinheiro. Uma das árvores derrubadas foi a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma aroeira. Agora, com a comemoração dos 20 anos da Carta Magna, a Câmara quer revitalizar o bosque, mas os trâmites legais prometem complicar o processo.

Tombamento em 2025

Como a terra pertence ao Governo do Distrito Federal, vai ser preciso uma ginástica para oficializar a doação da área aos deputados. Primeiro, o GDF vai transformar o bosque em um parque ecológico, que deve se chamar Parque Multiuso Bosque dos Constituintes, para então, a Câmara entrar no programa de adoção de um parque e assumir os cuidados pela região. A idéia é que a Câmara fique responsável pelo bosque por 10 anos e, em 2025, a área seja tombada.

¿ Foi um gesto simbólico, mas que teve um significado importante para cada um dos constituintes porque representou o esforço final de um trabalho e a esperança para a construção de um novo Brasil ¿ avalia o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), que foi vice-presidente da Assembléia Nacional Constituinte.

Assim como a Câmara trabalha um convênio para salvar o Bosque dos Constituintes, Executivo e Legislativo travaram, ao longo das últimas duas décadas, verdadeiras batalhas para fechar acordos em torno das alterações no texto da Constituição. A primeira proposta de emenda à Constituição (PEC) chegou ao Congresso no dia 6 de outubro de 1988, menos de 24 horas depois da promulgação. O deputado Amaral Netto, do Rio de Janeiro, propôs que o Congresso introduzisse a pena de morte para quem cometesse assassinato depois de estupro, roubo ou assalto. A medida tramitou por 10 anos e nunca foi votada.