Valor econômico, v. 21, n. 5169, 18/01/2021. Brasil, p. A7

 

Piora da pandemia afeta mercado de trabalho

Ana Conceição

18/01/2021

 

 

Possível reintrodução de medidas de isolamento pode atingir principalmente o setor informal
O recrudescimento dos casos de covid-19 pode atrasar uma recuperação mais consistente do mercado de trabalho no país, que já teria um ano difícil em 2021 sem esse fator. Segundo economistas, mesmo crescendo entre 3% e 4% neste ano, a economia não deve gerar ocupação suficiente para a massa de desempregados deixada pela pandemia. Agora, a possibilidade de reintrodução de medidas mais restritivas de isolamento social em algumas regiões pode atrasar principalmente a recuperação do mercado informal, o que mais oferece trabalho aos brasileiros.

“O cenário ficou mais nublado, à medida que a pandemia reacelerou. A melhor política econômica em 2021 se chama vacina, distanciamento social e máscara, porque nada vai ajudar mais a atividade e o emprego que o combate à pandemia”, afirma Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo levantamento feito por ele com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid e Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi recuperado um emprego para cada cinco perdidos na pandemia. “É improvável que voltemos em 2021 ao patamar anterior, que já não era bom.”

Estimativa do banco Credit Suisse aponta a criação de 5 milhões de postos de trabalho neste ano, entre formais e informais, o que está longe de recompor os cerca de 8 milhões perdidos em 2020. A taxa de desemprego média pode subir de 13% para cerca de 15% em 2021.

O número é alto, mas, assim como ocorreu em 2020, não deve refletir totalmente a realidade do mercado, já que uma parte da população deve continuar inativa por inúmeros motivos, como o medo da contaminação, desalento e cuidados com a família. Do total de pessoas em idade de trabalhar, 30% estão desalentados, desempregados ou subocupados.

Solange Gonçalves, professora associada do Departamento de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), observa que, além da necessidade de dinheiro, os arranjos intrafamiliares também pesam na decisão de buscar trabalho. “O choque da pandemia não é só de renda, é também de saúde pública, com muitos chefes de família doentes, outros com sequelas psicológicas”, diz. Por outro lado, muitas famílias perderam membros relevantes na composição da renda e os remanescentes terão de sair em busca de ocupações para complementar o orçamento.

Agravando a situação, o recrudescimento de casos e mortes por covid-19 ocorre em um contexto de fim do auxílio emergencial e do programa de sustentação do emprego formal (BEm), criado para ajudar a frear as demissões. “Essa retirada das transferências tem impacto negativo na atividade. As pessoas vão ter que procurar mais emprego, mas a demanda por mão de obra deve ser menor porque o consumo deve ser afetado. O cenário não é bom”, diz Hecksher, do Ipea.
Análise da XP Investimentos aponta que haverá mais pessoas retornando ao mercado do que encontrando emprego por um tempo razoável ao longo de 2021. “Essa hipótese, aliada à inércia e defasagem natural com a atividade econômica, se traduz em um pico de desemprego no segundo trimestre de 2021, quando a taxa deve ficar próxima a 15,8%.” A empresa prevê crescimento do PIB em 3,4%.

Se a retomada do emprego ainda terá um longo caminho, a recuperação da renda também será gradual, em especial a dos informais. De acordo com levantamento do Banco Safra, a massa salarial mensal dos trabalhadores informais e por conta própria caiu R$ 15,8 bilhões no segundo trimestre de 2020 em comparação ao período pré-pandemia. Ela teve uma pequena alta de R$ 3,4 bilhões no terceiro trimestre e, considerando as informações da Pnad de outubro, a mais recente, deve ter subido R$ 6,7 bilhões de outubro a dezembro.

Assim, ainda há um déficit remanescente de aproximadamente R$ 8 bilhões mensais (1,1% do PIB) para ser recomposto. Parte da queda dessa massa (36,5%) se deu pela diminuição de 13% do rendimento efetivo comparado ao rendimento habitual dos que permaneceram ocupados nesse período, enquanto que o restante (63,5%) decorre dos que perderam suas ocupações, calcula o banco.

Tiago Cabral, pesquisador da área de mercado de trabalho do Instituto IDados, diz que, antes, se esperava um primeiro trimestre fraco por causa do fim dos programas de transferência do governo federal, mas a partir do segundo trimestre a retomada da atividade aumentaria a geração de emprego.

“O que mudou agora é que a pandemia recrudesceu e e a vacinação demorará meses para surtir efeitos, que é o que permitiria a volta do setor de serviços à normalidade”, diz. Uma retomada mais consistente da atividade parece ter sido postergada. O IDados mantém por enquanto as estimativas de taxa de desemprego para o fim do primeiro trimestre em 16% e fim de 2021 em 12,9%, mas elas devem ser revistas. O maior impacto do recrudescimento da pandemia na atividade, segundo o economista, se dá menos por novas medidas de isolamento e mais pelo aumento da incerteza com o futuro, o que contribui para manter baixa a oferta de trabalho.

A vacinação tardia em meio ao recrudescimento da pandemia também está afetando a incerteza fiscal, outra variável crítica para a recuperação da economia, segundo o ASA Investiments. Esse cenário aumenta o risco de “alguma aventura fiscal” num contexto de eleição das mesas da Câmara e do Senado. “Especulações quanto à reedição do decreto de calamidade e defesa da volta do auxílio emergencial novamente impulsionaram o dólar e a estrutura a termo da taxa de juros para cima, apertando as condições financeiras na margem”, afirmam os economistas da casa liderados pelo ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall.

Eles observam que, nos níveis atuais, as condições financeiras estão em terreno estimulativo, embora menos que no fim de 2020, e se mostram compatíveis com uma expansão no PIB de apenas 1%, e não os 2,4% estimados pela casa para este ano.