Título: Nova Constituição é aprovada
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/09/2008, Internacional, p. A21

Pesquisas apontam vitória do projeto de Correa que permite reeleição e muda modelo econômico.

O projeto de Constituição do Equador proposto pelo presidente Rafael Correa foi aprovado em referendo por cerca de 70% dos votos, segundo duas pesquisas de boca-de-urna divulgadas pela mídia local no fim das votações de ontem. A nova Carta habilita a reeleição de Correa e assinala um modelo socialista que já seduziu a Venezuela.

Correa comemorou a vitória em discurso no porto de Guayaquil, centro opositor da proposta, insistindo na necessidade de unificação do país:

¿ A nova Constituição triunfou de forma esmagadora. É um momento histórico. Vamos ver se a nova Constituição é abortiva, centralista, hiperpresidencialista, que consagra uma ditadura. Vamos ver se todo isso está certo ¿ disse Correa, rebatendo críticas. ¿ A grande maioria decidiu sepultar a Constituição de 1998 que oferecia vantagens à grande e triste noite neoliberal.

Segundo o instituto de pesquisa Santiago Pérez, o mandatário também triunfou em Guayaquil, cidade mais próspera e povoada do país, onde temia o surgimento de um foco de desestabilização e separatismo, como o que desafia seu aliado boliviano Evo Morales em Santa Cruz.

O prefeito da cidade portuária, o direitista Jaime Nebot, manifestou irritação com as preocupações ontem, depois de votar:

¿ O que Guayaquil faça ou deixe de fazer sempre está embasado na unidade nacional, na democracia, em fazer as coisas à luz do dia e defender com direito nosso ar de progresso ¿ replicou o prefeito.

Nebot tachou como ridículas as suspeitas separatistas levantadas pelo governo e acusou o líder venezuelano Hugo Chávez de ser o arquiteto da idéia.

¿ Só um ignorante pode confundir autonomia com separatismo¿ bradou Nebot, acusando Correa de querer implementar um socialismo já fracassado na Venezuela.

Normalidade

Quase 10 milhões de equatorianos compareceram às urnas numa jornada que se prolongou das 7h às 17h. A missão observadora da Organização dos Estados Americanos disse que a situação da votação era normal, sem contratempos, e "com uma assistência maciça".

A proposta constitucional permite que Correa tente ficar no poder até 2017, muda o modelo de livre mercado para um "social e solidário", proíbe a instalação de bases estrangeiras e concede o direito a voto aos militares. A Carta também cria a possibilidade de uma moratória da dívida externa que for considerada "ilegítima" e concede uma ampla margem de manobra para renegociar os vitais contratos de petróleo.

Será a vigésima Constituição do Equador, um país com riqueza petrolífera que assistiu à queda de três presidentes na última década por revoltas populares. Mas Correa espera o quarto triunfo nas urnas desde sua chegada ao poder em 2006.

Para analistas como Simón Pachano, da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, as votações são realmente um plebiscito sobre a gestão de Correa, que tem uma popularidade recorde de 70%.

¿ Ele vai atuar com toda força e vai seguir adiante com o seu programa ¿ disse.

Nas zonas indígenas, a percepção é a mesma:

¿ Voto porque todo mundo está pelo sim, porque Correa está a favor dos pobres, e não dos ricos ¿ disse María Elena Calasulli, de 54 anos, que madrugou para votar em Cangahua (a 50 km de Quito).

Depois da aprovação, haverá um período de transição que se concluirá com eleições antecipadas para fevereiro, em que se votará no novo presidente da República e na nova Câmara dos Deputados.

O mandatário fica agora numa posição muito boa para as eleições de fevereiro, mas, segundo Washington Michael Shifter, da Organização Diálogo Interamericano, o período crítico será depois, quando chegarem as frustrações por problemas econômicos ou dissidências dentro da sua própria coalizão:

¿ Aí é quando vai ter que mostrar resultados. Não vai mais estar em campanha eleitoral, embora adore isso, vai ter que governar, e o povo tem muita expectativa.

A Constituição também é criticada por bispos católicos e empresários porque acreditam que concentra o poder no governante, ameaça a propriedade privada, reduz autonomias locais e deixa aberta a porta à legalização do aborto e do matrimônio entre homossexuais.