Título: Duro golpe na economia mundial
Autor: Freitas Jr., Osmar
Fonte: Jornal do Brasil, 30/09/2008, Tema do Dia, p. A2

CORRESPONDENTE EM NOVA YORK

Choque, pânico e incerteza foram as primeiras reações à rejeição do plano econômico do governo americano para suprir oxigênio à economia dos Estados Unidos. Com 228 votos contra o pacote financeiro e 205 a favor, representantes dos dois partidos recusaram a liberação dos US$ 700 bilhões para a compra de papéis desvalorizados na crise financeira do país.

As autoridades do setor, a começar pelo Secretário do Tesouro, Henry Paulson, demonstraram surpresa com este resultado, a ponto de não terem apresentado imediatamente soluções alternativas. A impressão de ausência de opções ao pacote levou a Bolsa de Nova York a ter a maior queda nos valores de ações desde o dia seguinte aos ataques terroristas de 2001. Foi um tombo recorde de 778 pontos. No resto do mundo, a tendência para baixo também fez vítimas, desde Tóquio, passando por Londres, até a brasileira Bovespa.

A Bolsa de Valores de São Paulo fechou com a pior queda em nove anos, de 9,36%, aos 46.028 pontos. Às 14h50, quando as perdas superaram 10%, foi acionado o mecanismo de circuit-breaker, que interrompe as negociações para evitar movimentos muito bruscos. A Bolsa retomou os negócios cerca de 30 minutos depois, sem recuperação significativa, e chegou a afundar 13,8% no pior momento do dia. Em dólares, o Ibovespa já soma perdas de 34,72% em 2008.

¿ Ninguém sabe o que vai acontecer agora. Não há um plano B, por enquanto. Acredito que ainda veremos mais perdas, enxugamento de crédito, mergulho em profundezas da recessão, antes de que possamos agir ¿ disse ao Jornal do Brasil o senador Charles Schumer, democrata por Nova York e membro do Comitê para questões bancárias no Senado.

A Câmara dos Representantes tem programado o recesso parlamentar que pode se estender até depois das eleições de novembro. Mesmo assim, o deputado democrata por Nova York, Charles Rangel, do comitê orçamentário da Câmara, disse ao JB que seus colegas iriam voltar a Washington na quinta-feira, depois do feriado judaico, para tentar colocar em votação alguma alternativa ao pacote financeiro rejeitado.

¿ Há muita gente votando de olho em sua própria reeleição. O pacote do governo é extremamente impopular. Os deputados estão com medo da fúria dos eleitores. O pacote foi muito mal vendido desde o começo e a impressão que se tem é a de que os US$ 700 bilhões são apenas para salvar Wall Street. Não se tem a noção de que todos temos um cachorro nesta briga. Caindo as instituições financeiras, cai toda a economia ¿ diz Rangel.

Nenhum dos analistas econômicos consultados conseguiu antecipar o que seria um novo plano a ser colocado em votação. A opinião generalizada é a de que tanto os líderes partidários quanto a Casa Branca e o Tesouro americano não esperavam a derrota e não prepararam planos de contingência.

¿ O governo Bush mais uma vez não montou uma estratégia de saída. Primeiro, vendeu mal o plano, deixando que ele fosse rotulado como "pacote de salvamento de Wall Street". Esta impressão de que os únicos beneficiados seriam banqueiros de Nova York marcou tanto a mídia quanto o público em geral. Depois, anunciou-se mais de uma vez que já se havia chegado a um consenso, o que o tempo demonstrou ser uma precipitação fatal. Agora, o que se tem é uma falta total de opções pré-estabelecidas. É "apertem os cintos, o piloto sumiu" ¿ diz Alison Bremer, economista da Columbia University.

O Secretário Paulson pareceu reforçar esta idéia ao declarar apenas que estava decepcionado com o resultado desta votação.

¿ Vamos continuar trabalhando com o Congresso para criar novo instrumento capaz de impedir que a crise se alastre ¿ limitou-se a dizer.

A analista financeira Michelle Caruso, porém, alerta que a infecção já está se espalhando pelo corpo econômico.

¿ As torneiras que levam água à economia estão entupidas por papéis ruins das subprimes. Assim, não chega água nem para Wall Street nem para outras ruas. Ou seja: não há crédito. Com o fracasso do pacote, o dinheiro ficará mais escasso, pois ninguém quer arriscar. Já estão todos colocando seus recursos em papéis do Tesouro, que têm agora rendimento zero, mas são garantidos. Assim, não são apenas as instituições financeiras que perdem acesso ao crédito, mas também os pequenos e médios empresários. Não vão ter como pagar suas obrigações, seus funcionários ou investir na produção. Sem crédito a economia não funciona, e é isso que os autores do plano não conseguiram passar para o público em geral. Todos sairão perdendo, pois a torneira está entupida ¿ diz Caruso.

Acusações mútuas

Em Washington, as bancadas dos dois partidos se acusavam pelo fracasso do plano. Mas a realidade é que nenhum dos partidos conseguiu amealhar o número de votos que esperava. Os conservadores republicanos apregoavam seus princípios ideológicos ¿ auto-regulamentação do mercado e não interferência do governo em assuntos do setor privado ¿ como justificativa para a oposição a um pacote que iria regular e supervisionar mais as instituições financeiras. Os democratas faziam da Casa Branca e sua política econômica desastrada os alvos prediletos de sua revolta. Ambos os lados também ressaltavam que o dinheiro do contribuinte não deveria ser usado para salvar gatos gordos do sistema financeiro.

¿ Na verdade, dos 228 deputados que votaram contra o pacote, nada menos do que 200 estão enfrentando campanhas ferozes para a reeleição. Os sinais mandados pelos eleitores eram de total repúdio ao pacote e isso deixava poucas alternativas para aqueles que desejam pedir votos até novembro. Como justificar um voto tão impopular? ¿ analisa Christopher Krans, do Instituto de Estudos Políticos do Arizona.

Com as incertezas dos próximos dias, os eleitores vão saber se sua antipatia ao pacote justifica os riscos colocados à economia americana e mundial.