Valor econômico, v. 21, n. 5170, 19/01/2021. Brasil, p. A4

 

OMS critica baixo acesso de países pobres à imunização

Assis Moreira

19/01/2021

 

 

Laboratórios respondem que queixas podem ser “potencialmente enganosas”
A indústria farmacêutica e a Organização Mundial da Saúde (OMS) entraram em rota de colisão sobre o acesso acelerado de países ricos às vacinas anticovid, enquanto países médios e pobres continuam correndo atrás da imunização. A situação azedou ontem, quando o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, martelou sobre “nacionalismo de vacina”.

Ele acusou países ricos e produtores de vacinas de ignorar as nações pobres na luta pela imunização contra a covid-19, que continua matando milhares por dia.
Segundo Tedros, alguns países e companhias farmacêuticas, mesmo falando em acesso equitativo à vacina, continuam “a priorizar acordos bilaterais, contornando o Covax [mecanismo multilateral com 190 países], elevando preços e tentando pular para o início da fila. Isso é errado”.

Ele exemplificou que 44 acordos bilaterais foram assinados no ano passado, e pelo menos 12 já neste ano. E que mais de 39 milhões de doses de vacinas já foram administradas em pelo menos 49 países de renda alta. “E apenas 25 doses foram dadas em países pobres; não 25 milhões, não 25 mil, apenas 25.”

“Preciso ser franco: o mundo está a caminho de um fracasso moral catastrófico, e o preço desse fracasso será pago com vidas e meios de vida nos países mais pobres do mundo”, afirmou Tedros.

A reação da indústria veio no começo da noite através da Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA), em Genebra. O diretor-geral, Thomas Cueni, qualificou as preocupações com a falta de velocidade de acesso às vacinas nos países de renda baixa e média de “potencialmente enganosas e podem dificultar, em vez de ajudar, esse esforço sem precedentes de colaboração e solidariedade global”.

Entre os laboratórios, um dos pontos destacados recentemente é de que trabalham para dobrar ou mesmo triplicar a estrutura de produção para combater a pandemia. Como o Valor publicou, a capacidade de produção para combater a pandemia. Como o Valor publicou, a capacidade de produção atual é quase um terço da demanda existente pelas vacinas.
Cueni, de seu lado, disse que a urgência política pela imunização é compreensível. Mas lembrou que a aprovação de vacinas contra a covid-19 tem apenas algumas semanas. E que esta é a primeira emergência sanitária global em que novas vacinas estão sendo distribuídas para países de renda baixa e média “mais ou menos ao mesmo tempo que para os países ricos”.

A indústria destaca o acordo com o Covax para garantir a esse mecanismo global “quase 2 bilhões de doses” até o fim deste ano. E acordos bilaterais, como com a União Africana e emergentes como Brasil, Índia, Indonésia e México. Segundo fontes do mercado, a União Africana assinou contratos para aquisição de 270 milhões de doses junto aos laboratórios Pfizer, Johnson & Johnson e AstraZeneca. Para Cueni, “é importante gerenciar expectativas e manter o foco nas soluções”. Acha que “há muito pouca legitimidade para questionar o progresso feito até agora”.

Por sua vez, o Brasil, através da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, foi um dos países ontem na OMC que conclamaram a comunidade internacional e as empresas farmacêuticas “neste momento crítico a cumprir integralmente e com urgência suas promessas e compromissos com a distribuição justa e equitativa vacinas anticovid-19 em todo lugar”.