Valor econômico, v. 21, n. 5171, 20/01/2021. Brasil, p. A4

 

Agenda multilateral de Biden precisa do Brasil, diz embaixador

Daniel Ritrner

20/01/2021

 

 

Forster, embaixador nos EUA, diz não esperar ‘atitude de confrontação’ da Casa Branca
O embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, diz que já manteve contato com a equipe de transição de Joe Biden e não espera “atitude de confrontação” da Casa Branca por diferenças com o governo Jair Bolsonaro.

A poucos horas da cerimônia de posse de Biden, da qual participará como representante brasileiro, Forster enfatiza uma mensagem: qualquer iniciativa multilateral da nova administração democrata sobre temas como democracia, meio ambiente e mudanças climáticas sem participação ativa do Brasil terá menos perspectivas de sucesso.
Trata-se de uma alusão a notícias recentes de que Biden cogita organizar uma conferência internacional em defesa da democracia e qualificar como “vilões ambientais” países pouco colaborativos na luta contra o aquecimento global.

“Somos parte da solução, não do problema. Discutir democracia, no contexto das Américas, também não faz sentido sem o Brasil”, afirmou Forster ao Valor, em entrevista por telefone. “É um desafio nunca exagerarmos nem sermos ufanistas sobre o papel do Brasil, mas não ter o Brasil junto faz com que essas iniciativas percam. Não convidar o Brasil torna mais difícil alcançar uma estratégia vencedora”, emendou.

Questionado se já conversou com Tony Blinken (novo secretário de Estado) ou com Juan Gonzalez (principal assessor para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional), o embaixador declinou nomes e disse apenas que “contatos preliminares” foram feitos no “nível adequado”.

Ele garante, no entanto, que o governo brasileiro está à disposição da nova administração americana para tratar de “qualquer assunto”. “Do nosso lado, [a disposição] é total. A missão da diplomacia é sentar, escutar a posição dos nossos parceiros e trilhar um caminho juntos quando identificarmos concordâncias.”

“Brasil e Estados Unidos compartilham valores fundamentais: respeito à democracia, aos direitos humanos, à liberdade religiosa. Quando há mudanças de governo, em um país ou em outro, surgem inflexões. Onde não encontrarmos convergências, saberemos manter o diálogo, concordaremos em discordar”, afirmou.

Forster avalia que o presidente Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) reconhecem a existência de “desafios ambientais que precisam ser enfrentados” no Brasil. Outra coisa, segundo ele, são “exageros de percepções” entre governos e mídia estrangeiros. “Já identificamos correntes que usam a temática ambiental para justificar seu protecionismo, principalmente na área agrícola. Não creio que o governo americano vá embarcar nisso e alienar o Brasil com uma atitude de confrontação”, observou.

Lembrado que Bolsonaro foi o penúltimo chefe de Estado a ter felicitado Biden pela vitória, à frente apenas do ditador norte-coreano, Kim Jong-un, Forster disse tratar-se de “competência privativa” do presidente. “Ele foi eleito com 58 milhões de votos e pode dizer o que acha mais adequado.”

Diplomata com 35 anos de carreira, o embaixador diz que a expectativa é de avanços na relação Brasil-Estados Unidos, mesmo depois da preferência declarada de Bolsonaro pelo derrotado Donald Trump. “A intensidade da agenda, a abrangência é tal, que sinceramente não acredito em desmobilização. Você pode desacelerar em algumas áreas, ter mais em outras. Os interesses são concretos e imediatos. Não dá para empurrar com a barriga. O pensamento é: melhor estarmos engajados e negociando com o Brasil ou melhor nos afastarem da conversa?”, questiona Forster.

Ele busca ainda desfazer um mal entendido: o de que teria aconselhado Bolsonaro a não reconhecer Biden como presidente eleito. A leitura dos telegramas ostensivos assinados pelo embaixador sobre as eleições americanas não aponta qualquer recomendação. “É uma tradição do Itamaraty e do trabalho diplomático acompanhar [o processo eleitoral] de forma tão objetiva quanto possível. Não houve, em nenhum momento, conselho sobre algo que é de exclusiva decisão do presidente da República."