Título: Irritação do ministro com os americanos
Autor: Faria, Tales
Fonte: Jornal do Brasil, 30/09/2008, Tema do Dia, p. A2

Daqui da planície, lendo e ouvindo declarações oficiais, a gente acaba imaginando que as autoridades andam nas nuvens. O Congresso americano barra o pacote de ajuda ao sistema financeiro dos EUA, a economia mundial entra em pânico e aparecem declarações amenas do tipo "no Brasil, está tudo sob controle", "não tem problema", etc. Mas não é bem assim. As autoridades econômicas brasileiras ficaram muito, muito preocupadas com o impasse entre governo e Congresso no Estados Unidos. Uma conversa descontraída com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, serve para mostrar que governantes também têm sangue nas veias. A mesma preocupação que estamos tendo todos aqui no mundo real, têm eles lá. O mesmo espanto com as autoridades econômicas dos EUA, que não conseguem debelar a crise. A mesma ansiedade com o descompasso entre o governo George Bush e sua base parlamentar, sem saber ao certo quanto tempo vai durar a crise. A mesma irritação ao lembrar do receituário neoliberal que nos impuseram e ver que, para eles, essas receitas não prestam.

E aí, ministro, é o caos?

¿ Momentaneamente, não tem outra definição. A sensação é de caos mesmo. O setor financeiro dos Estados Unidos mergulhou numa profunda crise, que já perdura por um ano e três meses, e as autoridades econômicas de lá parecem estar sem respaldo político para solucionar o problema. É isso que a reprovação, pelo Congresso dos EUA, do pacote de medidas proposto pelo governo aponta: o Executivo não tem nem sequer o apoio dos deputados de seu partido, tal a reprovação popular às medidas propostas. Se não há perspectiva de solução, então é o caos.

Como vai ficar o Brasil nessa história?

¿ Por enquanto, o que temos a fazer é colocar as barbas de molho. Até o momento, a crise não atingiu o setor real da economia. Há uma situação ruim nas bolsas, mas não se registrou nem um trimestre de PIB negativo, por exemplo. Vão ficar mais escassas as linhas de crédito, vai diminuir a disponibilidade de capital para investimentos, mas o Brasil já está com vários investimentos encaminhados, as obras do PAC em andamento... Nós só vamos sentir mesmo quando (e se) a crise sair do sistema financeiro dos EUA e afetar a economia real. Aí, sim, atinge as exportações brasileiras. Mesmo assim, estamos numa situação melhor. Antes, 25% de nossas exportações eram para os EUA, agora são 15%. Mas a verdade é que 15% ainda é muito. Se tiver recessão nos Estados Unidos, não tem jeito, a economia real no Brasil vai sofrer. Daí porque falo em colocarmos as barbas de molho.

E o que podemos fazer?

¿ Falando francamente, não há muito o que fazer. O Brasil já tomou as medidas preventivas que o receituário determina. Já aumentamos o nosso superávit primário, estamos preparando o Fundo Soberano... Enfim, do ponto de vista dos parâmetros macroeconômicos, o governo tem feito tudo o que é preciso ser feito. Mas seria ilusão pensar que há alguma medida que o governo brasileiro possa tomar que venha a resolver a crise nos EUA, ou impedir que uma crise global atinja a nossa economia. Pode estar certo de que o que precisar ser feito, nós faremos, mas temos consciência de que o governo dos EUA é quem tem de resolver a crise por lá. O governo, o mercado, os agentes econômicos de lá. Só isso afastará, em definitivo, a hipótese de caos.

Afinal, essa é uma crise do neoliberalismo?

¿ Pois é, veja só. Quando nós aqui na América Latina estávamos em crise, as receitas que eles nos apresentavam eram as receitas liberais. Agora, com essa confusão, eles mostram que essa história de neoliberalismo valia apenas para as crises alheias. Não para eles. Quando a encrenca se abate sobre o sistema financeiro deles, aparecem com um pacote de US$ 700 bilhões, na contramão das teorias neoliberais. Fora os outros tantos bilhões de dólares que já injetaram no mercado financeiro para tentar estancar a sangria. Curioso, não é? O governo se propõe a emprestar aos bancos, mas não se fala seriamente nos mutuários cuja inadimplência gerou a crise. Injetam dinheiro nos bancos, mas não acabam com a dívida dos mutuários. Chega a ser engraçado, se não fosse triste: o neoliberalismo era só para "los hermanos".