Título: Carta continua mostrando seu vigor
Autor: Queira, Andrezza; Bompan, Fernanda
Fonte: Jornal do Brasil, 30/09/2008, País, p. A15
Brasil se consolida como estado de direito, ao contrário dos vizinhos, dizem especialistas.
SÃO PAULO
Em 20 anos de vigência, a Constituição de 1988 mantém-se vigorosa e sustentável. Esta é a análise de boa parte dos juristas que, apesar das críticas ao caráter analítico, admitem que a Carta é a pedra fundamental do estado de direito, especialmente no que se refere às liberdades individuais e ao equilíbrio entre os poderes. Tal configuração, no cenário da América Latina, consolida a posição do país como um estado de direito, mesmo em face aos sintomas mais agudos da turbulência global.
¿ A Constituição resultou extremamente positiva, produziu democracia, normalidade institucional e desenvolvimento econômico ¿ diz o presidente do Superior Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes.
Para ele, o caráter analítico da Carta impõe uma série de desafios no cotidiano do órgão máximo do Judiciário.
¿ O texto incorpora definições que deveriam estar na legislação ordinária e nos impõe fazer as reformas institucionais ¿ acrescenta. ¿ No STF, os desafios vão das questões dos direitos individuais, até as de caráter social.
Mendes descartou novas aspirações constituintes:
¿ Vamos continuar nesse processo de aprendizado. Não vejo no texto condições para uma mini-assembléia constituinte ¿ salientou, logo após palestra que abriu o Congresso Vinte Anos de Constituição, da Academia Internacional de Direito e Economia, no Espaço Cultural do CIEE, em São Paulo. O evento foi promovido pelo Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, que integram a Companhia Brasileira de Multimídia (CBM).
Grampos
O presidente do Supremo criticou a tendência de autonomização de alguns órgãos, como a Polícia Federal, envolvida no episódio do grampo ao seu gabinete, durante a operação Satiagraha.
¿ Não podemos ter República nem de juiz, nem de promotor, temos que ter uma República democrática e mecanismos de controle ¿ assegura. ¿ É importante que em um processo de interceptação telefônica que o juiz decida criticamente e avalie, que o Ministério Público se manifeste, que não haja este consórcio danoso aos direitos e garantias individuais.
A capacidade da Carta de manter a normalidade democrática frente às crises foi enfatizada por Sydney Sanches, ex-presidente do STF na época do impeachment de Fernando Collor, em 1992.
¿ A Constituição permitiu com que Collor saísse e voltasse pela vontade popular ¿ lembra. ¿ Mostra que as instituições estão funcionando e é a vontade do povo de que a Constituição seja cumprida.
Para o jurista Ives Gandra Martins, a Carta é a mais moderna do mundo.
¿ Temos o maior elenco de direitos individuais e fundamentais que, junto com o equilíbrio entre os Poderes, nos garante o Estado democrático de direito ¿ diz, assinalando que este é o diferencial do país na crise, frente às estruturas jurídicas de nações como Venezuela, Bolívia e Equador. ¿ É instrumento da população para controlar o Poder ¿ completa. ¿ Ao contrário dos nossos vizinhos, aqui os três poderes têm de discutir até chegar a um consenso. E, com a crise americana, é a hora da verdade. Agora Lula vai mostrar se é um líder de fato, cortando empregos públicos e tornando a Federação adequada à arrecadação.
O cenário de agudização da crise mundial pode levar a urgência maior na revisão de certos parâmetros constitucionais.
¿ Quando a economia vai mal, o inconformismo cresce e afeta a popularidade do governo ¿ diz Ney Prado, jurista e um dos organizadores do congresso.