Título: Prejuízos são maiores que o socorro
Autor: Freitas Jr., Osmar
Fonte: Jornal do Brasil, 01/10/2008, Tema do Dia, p. A2

Perdas de ontem nas bolsas somaram US$ 1 trilhão, quantia muito acima dos US$ 700 bilhões esmolados pelo governo americano no plano.

CORRESPONDENTE EM NOVA YORK

No domingo, cerca de 2 mil pessoas foram a Wall Street para protestar contra o pacote governamental de US$ 700 bilhões para a recuperação financeira. A multidão saiu de frente do prédio vazio da bolsa e foi ao meio de Manhattan, na Times Square. Lá já haviam arregimentado mais 2 mil manifestantes. As cenas de revolta se repetiam da Flórida a Ohio ­ dois Estados considerados fundamentais e indefinidos nas eleições de 4 de novembro. A irritação do americano médio deu sinais claros de que se preparavam represálias eleitorais, não apenas aos candidatos presidenciais, mas também aos que concorrem a vagas na Câmara. Na segunda-feira, a surpresa da rejeição do acordo econômico.

Naquela noite, a maré política começou a virar. Aprendia-se que o crédito, e empregos, do cidadão comum corriam risco de evaporação. Cobrava-se, então, furiosamente, uma atitude positiva de Washington. ­ É isso o que acontece quando se perde completamente a liderança num país ­ sentenciou o ex-presidente americano Jimmy Carter. Ele sabe o que diz: perdeu o cargo devido a débâcle econômica.

A falência de autoridade das lideranças político-econômicas, ontem após o choque, era tão palpável quanto os 778 pontos perdidos na Bolsa de Nova York. Os prejuízos somaram nada menos do que US$ 1 trilhão. Quantia muito acima dos US$ 700 bilhões esmolados pelo governo Bush, e que saiu em parte de fundos de pensão e portifólios de pequenos aplicadores. Wall Street recuperaria boa parte desta queda ontem, com subida de 485 pontos, mas a escalada foi impulsionada por caçadores de barganhas que arremataram papéis desvalorizados, na espera de futuros lucros. O rombo financeiro não seria nivelado na casa do trilhão de dólares.

No domingo e início da segunda-feira, lideranças bipartidárias comemoraram um suposto sucesso para o acordo. Imaginavam terem garantidos os votos para a aprovação do pacote. Os candidatos presidenciais colocaram apoio mais definitivo ao acerto. O próprio presidente, em seu primeiro pronunciamento, saudou o compromisso. Seria, como se viu, queimas de fogos antecipadas. E ao final de 40 minutos de votação na Câmara ­ tempo que excede o protocólo regulamentar ­ verificou-se que o chamado baixo clero estava amotinado. As lideranças, republicanas e democratas, mostravam ao mundo que não chefiam. ­

O presidente está desacreditado e não tem cacife para fazer pressão, nem mesmo em seu partido. Os líderes republicanos não conseguiram conter dissidências. E a maioria democrata não queria e não trabalhou para aprovar um pacote de salvamento para uma crise arquitetada pela presidência republicana. O que se viu foi a completa falta de autoridade ­ disse Carter.

Bodes expiatórios não faltaram. O presidente Bush, é claro, encabeçava a lista de vilões. Mas desde a líder da maioria democrata no Senado, Nancy Pelosi, até o relativamente desimportante deputado republicano Darrell Issa ­ que disse não ao pacote por achar que ofendia o legado liberalizante de Ronald Reagan ­ ninguém foi poupado dos respingos da culpabilidade pelo insucesso. O candidato republicano a herdar esta crise, John McCain, à princípio teve reação automática e acusou seu rival democrata Barack Obama pela derrota do pacote. ­

McCain é quem tem mais a perder com este fracasso. Ele tentou aparecer como salvador do acordo, interrompendo supostamente sua campanha, forçando uma reunião entre lideranças políticas, o presidente e seu concorrente em Washington, para, segundo disse, fechar o pacote. Não apresentou nenhuma alternativa, não conseguiu sequer convencer nenhum dos deputados de seu Estado, Arizona, a votar a favor (sete dos 11 deputados de Illinois, estado de Obama, votaram "sim") e foi às televisões cantar vitória na manhã da derrota. As primeiras pesquisas confirmam que ele perdeu, no mínimo, dois pontos percentuais.

A maioria dos institutos de pesquisa dão média de 5 pontos percentuais de vantagem ao candidato Obama sobre McCain. Para o Legislativo, a média aponta para 55,5% de eleitos democratas, contra 42,5% para republicanos. E os analistas acreditam que esta maioria deve aumentar ainda mais, nas novas pesquisas pós-catástrofe do pacote. ­ As pessoas estão começando a aprender que a ausência do plano de resgate atinge em cheio suas finanças, e a culpa do fracasso no acordo está sendo colocada mais sobre as costas de republicanos ­ diz Todd Chuck.

McCain lançou a idéia de aumentar o seguro governamental aos depósitos bancários ­ garantidos até US$ 100 mil ­ para um patamar de US$ 250 mil. Chegou um pouco atrasado nesta proposta: Barack Obama fez a mesma sugestão uma hora antes do republicano. ­

A vantagem desta manobra é que ela dá mais confiança aos poupadores. Isso evitaria uma corrida aos bancos para saques e a piora da crise. Não haveria com isso aumento do crédito, mas pelo menos forneceria um pouco mais de tranquilidade ­ diz o senador democratas nova-iorquino Charles Schumer. Esta idéia, segundo deputados dos dois partidos, deverá ser incorporada às medidas tomadas. Fora ela, segundo o senador Schumer, o novo pacote será muito parecido com o velho. E, em meio à tormenta econômica, os democratas esperam um tsunami de votos a seu favor.