Título: Nos EUA, negociações em pleno feriado religioso
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/10/2008, Tema do Dia, p. A2

Os religiosos não deveriam trabalhar antes do pôr do sol da quarta-feira, fim do ano novo judeu. No entanto, no Congresso americano, o israelita Joe Lieberman seguia o ritmo frenérico da labuta de colegas no Senado. Desde o dia anterior, a casa procurava amarrar, com laços atrativos, o pacote de resgate econômico pedido pelo governo. O que se desejava era algo que não parecesse um presente aos gatos gordos de Wall Street, mas sim uma benesse estendida também à classe média. Os US$ 700 bilhões, pedidos pelo Secretário do Tesouro, Henry Paulson, para abrandar a crise financeira, estavam sendo fatiados para ficar mais atraentes. Não apenas aos senadores, como também à Câmara, que rejeitou a primeira versão do embrulho, na segunda-feira. ­

- O que desejamos aqui não são apenas 60 votos, mas dar uma demonstração substantiva de apoio no Senado, para servir de exemplo à Câmara ­ disse Lieberman.

O conteúdo do pacote agrega elementos populistas aos itens vistos como elitistas. Os US$ 700 bilhões são divididos em parcelas: US$ 250 bilhões imediatos, mais US$ 100 bilhões, quando o presidente achar necessários. Outros US$ 350 bilhões ficariam sob a guarda do Congresso, que pode segurar a liberação, caso não goste dos resultados do programa. Assim, o Legislativo limita o controle do Executivo. O Tesouro ainda terá de instituir um esquema de seguro que garanta os ativos de empresas com problemas.

Somem-se a esse conjunto medidas populistas, como fixação de teto para a compensação de grandes executivos do mercado financeiro, legislação estendendo descontos tributários para indústrias que usem energias alternativas, maiores créditos de impostos para quem tem filhos menores, alívio nas tarifas pagas por vítimas de enchentes e furacões, e isenção de impostos e encargos para fatia maior de contribuintes. E a novidade mais importante: elevação do teto para depósitos bancários garantidos pelo governo. Hoje os correntistas têm assegurados até US$ 100 mil em cada conta, e passariam a dispor da mesma proteção para até US$ 250 mil.

Outro israelita que trabalhava furiosamente durante o feriado de Hosh Hashanah era o senador democrata Charles Schumer, do Comitê de Finanças do Senado. Ele acreditava que o novo pacote tinha, em suas palavras: "penduricalhos" suficientes para atrair seus colegas reticentes. Mas via no horizonte problemas e incertezas quando a encomenda chegasse à Câmara. ­

- Acho que algumas provisões podem ser cortadas. O principal é não deixar que se façam modificações muito significativas nos tópicos principais do pacote ­ disse.

Havia, porém, concordância de que um conjunto de medidas contendo a liberação dos US$ 700 bilhões será aprovado nesta semana. A votação no Senado, antecipando a da Câmara, coloca enorme pressão para que os deputados resolvam rapidamente o impasse. As pesquisas de opinião mostram que os eleitores do país reverteram posições de total antagonismo ao pacote, passando a culpar os políticos em véspera de eleições pela estagnação econômica do país.

Os senadores John McCain e Barack Obama, candidatos presidenciais, interromperam suas campanhas para estarem em Washington durante as negociações. Correm atrás do prejuízo: o primeiro é visto como um dos responsáveis pela quebra de disciplina partidária republicana que derrotou o pacote na segunda-feira. O segundo foi criticado pela falta de comprometimento com o projeto. A presença de ambos servirá de pressão na Câmara aos que relutam em aprovar as medidas.