Valor econômico, v. 21, n. 5172, 21/01/2021. Brasil, p. A8

 

Interior do Amazonas vive desespero

Cristiane Agostine

21/01/2021

 

 

Leitos de UTI só existem em Manaus, onde atendimento entrou em colapso, e oxigênio está no fim

O colapso do sistema de saúde em Manaus agravou a situação do interior do Amazonas. Além da capital, os municípios também têm registrado aumento expressivo de casos de covid-19 desde o início do ano, mas não têm leitos de UTI nem cilindros de oxigênio suficientes para o atendimento e não conseguem mais transferir pacientes para Manaus. Ao menos 30 pessoas morreram desde sexta-feira no interior do Estado por falta de oxigênio ou à espera de transferência, segundo levantamento da Defensoria Pública do Amazonas.

No Amazonas, os leitos de UTI estão em Manaus e os pacientes graves do interior precisam ser transferidos para a cidade. Com hospitais e unidades de saúde superlotados, a capital não tem capacidade para receber pacientes de outras localidades.

Prefeitos do interior estão “desesperados”, relata o presidente da Associação Amazonense dos Municípios, Jair Souto (MDB). “Não estávamos preparados para essa situação. Aumentaram os casos depois das eleições e das festas de fim de ano e não fomos avisados pelo governo do Estado que faltaria oxigênio.”

Prefeito de Manaquiri, a cerca de 50 km de Manaus, Souto diz que as cidades do interior estão “no limite”. “Toda internação é feita na capital, que agora não tem mais vagas. E não temos mais oxigênio nas cidades. Aqui, nós temos para mais 48 horas, mas se aumentarem os casos e as internações, teremos problemas.”

Souto diz que se os pacientes não chegam na capital, dificilmente conseguirão ser transferidos para outros Estados. Desde a semana passada, o governador do Estado, Wilson Lima (PSC), transferiu 131 pacientes de Manaus para outros Estados. Na estimativa do governo, até 750 pacientes podem ser transferidos.

A segunda onda de covid-19 no Estado, com a nova variante do coronavírus, tem assustado prefeitos e secretários de Saúde pela maior capacidade de contaminação e de agravamento dos pacientes.

A ONG Médicos Sem Fronteiras, que atua em São Gabriel da Cachoeira e Tefé, avalia que o cenário tende a piorar no interior. “Não podemos achar que a situação já chegou no pior, pelo número de casos e de agravamentos”, diz Vitória Ramos, especialista em Assuntos Humanitários da ONG.

Em São Gabriel da Cachoeira, cidade com maior número de indígenas do país, a ONG viu o número de casos quintuplicar no início do ano. Na última semana de dezembro, foram 39 casos. Na primeira semana de janeiro, 190. A cidade tem o terceiro maior número de casos do interior. Vitória diz que a situação é “muito preocupante” e reforça a importância de medidas preventivas para evitar o agravamento da pandemia, como a testagem da população. “Essa é uma situação que já era conhecida pelas autoridades. Houve mau planejamento”, diz.

Defensores públicos do Amazonas denunciam a morte de ao menos 30 pessoas em cinco dias, entre sexta-feira e terça-feira, pela falta de oxigênio ou que esperavam transferência. O levantamento, ainda preliminar, foi feito para denunciar as ações dos governos estadual e federal. Em Coari, foram sete mortes na segunda-feira por falta de oxigênio.

Sem leitos de UTI, o interior tem 57,5% dos 233,9 mil casos de covid-19. Em relação à população, 2 milhões (47,6%) dos 4,2 milhões estão nas 61 cidades do interior.

O defensor Murilo Menezes do Monte diz que a situação permanece crítica. Em Itacoatiara, onde atua, os leitos ocupados por pacientes com covid-19 subiram de 20 no fim de dezembro para 103 no início deste mês. Ao menos 13 pacientes estão em estado grave, à espera de remoção. Duas pessoas morreram por falta de oxigênio e três pacientes que aguardavam leito de UTI faleceram. “Pessoas estão morrendo por falta de planejamento, por falta de insumo básico como oxigênio”, diz. “Não era algo imprevisível e a crise no interior chegou ao mesmo tempo que em Manaus”, afirma. “O que existe é a desorganização do Estado.”

O governo do Estado diz que está fazendo todos os esforços para abastecer com oxigênio das unidades de saúde na capital e no interior. O Ministério da Saúde afirma que tem feito ações para auxiliar a população, como a abertura de leitos de UTI e o envio de cilindros de oxigênio. Seis centrais sindicais brasileiras fecharam ontem um acordo com a Venezuela para que o país forneça oxigênio hospitalar a Manaus. Pelo acerto, o país enviará 80 mil litros do insumo por semana à capital do Amazonas.