Valor econômico, v. 21, n. 5172, 21/01/2021. Brasil, p. A8

 

Brasil vê risco de ‘OMS à la carte’ e volta a defender reforma da entidade

Assis Moreira

21/01/2021

 

 

Para país, mudanças no organismo devem levar em conta prioridades definidas por todos os membros, e não apenas alguns
O Brasil alertou ontem outros países a não correrem o risco de criar uma “Organização Mundial da Saúde [OMS] à la carte, em que aqueles que podem pagar mais têm um lugar melhor à mesa”, na reforma da entidade.

A manifestação foi feita em meio ao debate sobre a ampliação do papel de países membros em relação a como OMS destina seus recursos -- um debate que tem novo fôlego com a pandemia.
Relatório preliminar de um grupo independente criado na OMS para investigar a resposta internacional à crise da covid-19 sinaliza vários erros na própria OMS, nos governos e em entidades de saúde, que teriam reagido de maneira lenta e ineficiente ao coronavírus, apesar de anos de alertas.

Presidido por Helen Clark, ex-premiê da Nova Zelândia, e Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente da Libéria, o grupo defende que a comunidade internacional reveja a abordagem de enfrentamento a pandemias.

Os autores do documento dizem não entender por que a OMS esperou até 30 de janeiro de 2020 para declarar a covid-19 uma emergência sanitária internacional. E argumentam que a China poderia ter reagido mais rapidamente para conter a pandemia.

A embaixadora brasileira Maria Nazareth Azevêdo, ao falar no órgão executivo da OMS, considerou a ação do grupo independente como “da maior importância e urgente”. Destacou que o Brasil copatrocina um “roteiro para a OMS” proposto pelo governo do ex-presidente Donald Trump sobre a reforma. Inclui a criação de um mecanismo de revisão pelos pares para examinar como cada país adota medidas para combater pandemias como a atual.
Outra proposta, da União Europeia, considera que um dos principais pontos da reforma deve ser aumentar os recursos da OMS, por parte dos países.

Para a delegação brasileira, os Estados-membros e o secretariado da OMS têm “a oportunidade e o dever” de tornar a OMS mais transparente. A delegação também fala em fortalecer as funções de supervisão e tomada de decisão dos Estados-membros sobre a entidade.

Além disso, o Brasil defende que a reforma leve a um “uso mais eficiente dos recursos disponíveis da OMS, ao mesmo tempo que alinha totalmente todo o seu financiamento com as prioridades definidas por todos os membros, e não apenas alguns”.

Hoje mais de 60% do orçamento da OMS é resultado de doações voluntárias direcionadas para países específicos. Ou seja, EUA, União Europeia, Fundação Bill & Melinda Gates fornecem recursos em boa parte carimbada para prioridades que definiram, e não pelo conjunto dos Estados-membros.

“Não corramos o risco de criar uma OMS à la carte, em que aqueles que podem pagar mais têm um lugar melhor à mesa”, disse a representante brasileira, que mencionar ainda outras iniciativas na OMS paralelas às da reforma.

Uma delas é o “BioHub”, projeto de um novo repositório para amostras em uma instalação segura na Suíça, para facilitar o compartilhamento voluntário de vírus e o rápido desenvolvimento de contramedidas médicas, anunciado em novembro pela OMS.

Ocorre que nunca houve consulta da OMS com os Estados- membros sobre esse mecanismo que é considerado da maior importância para países com muitos recursos biológicos.

Normas internacionais estabelecem a necessidade de regras de acesso e compartilhamento de benefícios nessa área. Se um país compartilha com outros, deve receber um benefício, não necessariamente dinheiro, mas, por exemplo, em preço mais barato do produto que for desenvolvido. No caso do BioHub, a avaliação é de que não há a menor clareza sobre esse compartilhamento de benefícios.