Título: Algoz de empresas
Autor: Magnavita, Cláudio
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2008, Economia, p. A20

JORNALISTA

A Lei Geral do Turismo já é uma realidade. Publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 18 de setembro, a lei número 11.771 é só o começo de uma transformação que deverá ocorrer no nosso setor. O documento legal, que agora começa a ser aplicado, garantirá uma nova visão para o segmento. Não se trata de uma consolidação da legislação existente, mas sim de um instrumento capaz de melhorar a qualidade do produto turístico nacional.

Os vetos no texto final da lei ocorreram por falta de mobilização política de boa parte do trade turístico. E o mais grave foi o veto que torpedeou a clareza sobre a responsabilidade do agente de viagem como intermediário. Uma entidade pomposa, com o nome de Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) fez um grande barulho e ajudou a instituir o veto, naquele que seria um dos itens mais importantes para esclarecer a responsabilidade do agente de viagem.

Uma lupa na história da Pro Teste evidencia fatos preocupantes. A entidade diz ser representada por 200 mil associados, só que as suas atas de assembléia e eleição de diretoria têm uma presença máxima de oito ou dez pessoas. Exatamente isso, apenas um grupelho, menor que uma excursão turística, é quem decide os destinos da entidade que ajudou a derrubar a cláusula que definia com clareza o papel do agente de viagem na intermediação dos pacotes. A Pro Teste, para quem tanto ouvidos foi dado no Palácio do Planalto, foi fundada em 2002 por uma assembléia de 14 pessoas, entre elas uma boa parte de estrangeiros.

Trata-se de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que se remunera com verbas arrecadadas em um processo de afiliação virtual realizada pela internet, além de receber verbas internacionais como doação para o trabalho de defesa do consumidor. Uma bandeira que parece ter virado meio de vida para alguns.

Quando questionamos o número de votantes para eleger os dirigentes da Pro Teste, achamos que a representante falava de oito a dez mil eleitores. Mas não. O numero real é desprovido dos três zeros. Só oito ou dez pessoas decidem em assembléia o corpo diretivo da entidade e o seu conselho fiscal. Esta mesma entidade tentou entrar como membro do Conselho Nacional de Turismo (CNT) há alguns meses, porém uma nota técnica que analisou a sua constituição chegou à conclusão da falta de representatividade da associação e da sua falta de abrangência no território nacional.

O pedido foi negado depois de uma análise criteriosa da associação, que mantém a sua sede na Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e um escritório de representação em São Paulo.

O poder de mobilização da Pro Teste parece só ser grande quando mira em terceiros. Não funciona quando o assunto é interno e visa a criar um tecido associativo, como é o caso das suas adversárias, no caso Abav, Fenactur e Favecc, que possuem centenas de afiliados ativos e que elegem democraticamente os seus representantes. Só essa presença no processo associativo é capaz de dar uma legitimidade plena para os seus dirigentes.

O argumento que defendia o agente de viagem tombou por conta do imobilismo e da incapacidade de reagir à altura. Agora, essa entidade, que se diz "a maior associação de defesa dos consumidores da América Latina", e que é regida por microscópicas assembléias, mira o projeto de lei 5120/2001, que foi proposto em 2001 pelo deputado federal Alex Canziani (PTB-PR).

A "entidade" requereu uma audiência pública e "lançou manifesto de repúdio ao PL 5120/2001, que foi encaminhado com ofício aos cuidados de todos os 513 deputados federais. A despeito disso, as discussões continuam caminhando em favor das agências e em desrespeito ao consumidor brasileiro, como afirma na nota enviada à reportagem.

É preciso que se cobre explicações da Pro Teste e que ela revele o destino das verbas que arrecada e de como contrata o seu corpo funcional. Na captação de novos contribuintes, eles chegam até a distribuir prêmios para estimular a adesão ao pagamento da anuidade. Um verdadeiro marketing de sedução. A diretoria eleita é responsável por um respeitável orçamento e são prestadas contas a um conselho fiscal eleito pela mesma micro-assembléia. O fato é relevante por envolver doações internacionais e pode, no caso de existir irregularidades, até comprometer a imagem do Brasil no exterior.

Para ter a altivez de reclamar e até influenciar os negócios de milhares de empresários, que estão presos em um limbo jurídico, é necessário não ter telhado de vidro. No dia que falávamos com a dirigente executiva da entidade, procuramos, em conjunto, identificar no site da "entidade" a relação de dirigentes. A justificativa foi que a homepage havia sido renovada. Não havia uma linha clara dizendo quem era quem à frente da Pro Teste. Um pedido de entrevista com o corpo diretivo foi solicitado, incluindo uma visita à sede do Rio e até hoje não recebemos respostas.

O possível "afiliado" da Pro Teste contribui com uma assinatura anual de R$ 180 a R$ 192, que pode ser pago, segundo o site, com cartão de crédito, débito bancário ou de forma parcelada. Se o número de quase 200 mil associados for real, só em anuidades são arrecadados cerca de R$ 36 milhões, além das doações internacionais. Só aí o faturamento é superior à receita individual de 95% dos pequenos e micro-empresários que foram colocados no limbo jurídico pela ação da Pro Teste.

No mesmo site, além de não constar os nomes dos dirigentes, não havia uma única página com a prestação de contas de uma receita que deveria ser pública. São muitas lacunas que minam a autoridade do grande algoz dos agentes de viagens e de outros segmentos empresariais.

No processo democrático, os embates são salutares, mas não se pode ficar acovardado ao pedir que uma organização preste constas do milionário orçamento que deveria ter em função dos números que divulga e do processo eletivo que resultado na escolha dos seus ordenadores de despesas e dos controladores do seu caixa. Cobrar isso é, no mínimo, defender os interesses dos milhares de contribuintes que aceitaram colocar o seu dinheiro na associação.