Correio braziliense, n. 21020, 12/12/2020. Cidades, p. 13

 

Três suspeitas de reinfecção no DF

Mariana Machado 

12/12/2020

 

 

Enquanto o Distrito Federal segue registrando aumento gradativo nos casos diários de infecções por covid-19, cresce a preocupação com os riscos de reinfecção em pacientes curados. A Secretaria de Saúde aguarda conclusão das investigações de três moradores do DF com suspeita de nova contaminação por coronavírus. As amostras serão analisadas pelo Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo, do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. A unidade é referência nacional em diagnóstico e pesquisa sobre o vírus. Os resultados serão divulgados nos próximos dias pelo Ministério da Saúde e a reinfecção só será confirmada se forem identificadas genotipagens diferentes do vírus Sars-CoV-2.

A Secretaria de Saúde informou que não pode dar detalhes dos pacientes, mas destacou que todos apresentaram dois resultados positivos para covid-19 em um intervalo igual ou superior a 90 dias. As primeiras infecções aconteceram entre junho e agosto, e a segunda, entre o fim de novembro e o início de dezembro. De acordo com o protocolo do Ministério, isso faz com que os casos tornem-se suspeitos de reinfecção. Os exames de RT-PCR foram coletados pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-DF).

Em nota oficial, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) disse que apenas o Ministério da Saúde se manifestará sobre o assunto. Por sua vez, o órgão federal não deu datas para os resultados dos laudos, mas afirmou que recebeu, até o momento, 58 notificações de casos suspeitos de reinfecção de covid-19 em nove estados brasileiros. "Até o momento, apenas um caso de reinfecção foi confirmado no país", ressaltou a pasta. Trata-se de uma mulher de 37 anos, profissional da área de saúde e moradora de Natal, no Rio Grande do Norte. "Ela teve a doença em junho, curou-se e teve resultado positivo novamente em outubro — 16 dias depois do primeiro diagnóstico."

Quem teve a doença lembra das complicações e teme a chance de passar por elas novamente. Em agosto, a manicure Sarah Lopes, 35 anos, e três pessoas da família dela levaram um susto após se infectarem. "Tivemos sintomas de febre, dor no corpo, perda de olfato e de paladar. Ficamos com medo, pois não sabíamos como cada um reagiria ao vírus. Graças a Deus, ficamos bem e nos recuperamos", afirma. "Agora, estamos cuidando ao máximo para não corrermos o risco de uma nova infecção. Afinal, é uma doença misteriosa. Não podemos nos descuidar."

Avanço
O boletim epidemiológico divulgado, ontem, pela Secretaria de Saúde mostra que o DF tem 237.945 casos confirmados, dos quais 4.051 evoluíram para morte (1,7%) e 226,3 mil (95%) se recuperaram. Nas últimas 24 horas, a pasta contabilizou 831 novas ocorrências e oito óbitos. Do total de fatalidades, 3.458 pacientes apresentaram alguma comorbidade, o que corresponde a 85,4% do total. Ainda de acordo com os dados apresentados, a taxa de transmissão do vírus é de 0,93.

O valor indicaria que a pandemia está contida. Contudo, uma pesquisa divulgada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan/DF), nesta semana, aponta que o fator R0 estaria em 1,16, indicando que, caso tudo se mantenha nas mesmas condições, em uma semana pode haver aumento de 16% no número de infectados. Em um comparativo entre as primeiras semanas de novembro e dezembro, as confirmações de covid-19 dobraram, indo de 2.181 no mês passado, para 2.585. No mesmo período, também houve aumento de 10% no número de mortes, sendo 50 na primeira semana de novembro e 55 em dezembro.

Outro número preocupante é o coeficiente de mortalidade. O DF é a segunda unidade da federação com o maior índice. Com 132 mortes a cada 100 mil habitantes, está atrás apenas do Rio de Janeiro, que tem média de 134 mortes por 100 mil habitantes. Apesar disso, a taxa de letalidade da capital é das mais baixas do país. Enquanto o Rio de Janeiro lidera o ranking com taxa de 6,23%, o DF indicou taxa de 1,7%. Apenas Tocantins (1,42%), Amapá (1,35%), Roraima (1,15%), e Santa Catarina (1,01%) apresentaram valores menores. Nacionalmente, o DF é o 11º em número de casos confirmados, e 17º para novos registros diários.

A Codeplan analisou,também, a evolução da pandemia nas regiões administrativas, e concluiu que Plano Piloto, Taguatinga, Águas Claras, Ceilândia, Guará e Sobradinho registraram maior número de notificações nas últimas duas semanas. Já as que tiveram mais óbitos foram Plano Piloto, Guará, Gama, Ceilândia, Taguatinga, Brazlândia e Planaltina. Sol Nascente e Pôr do Sol são as regiões com maior proporção de óbitos em relação ao total de infectados (4,15%), e Águas Claras teve a mais expressiva evolução de casos, com 9,8 mil por 100 mil habitantes. No Entorno do DF, Valparaíso de Goiás tem o maior número de infectados (7.790), seguido de Luziânia (6.790), e Águas Lindas (4.277).

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24% da população do DF se infectou 

12/12/2020

 

 

O Distrito Federal segue liderando o ranking das unidades da federação com maior porcentagem da população infectada pelo vírus Sars-CoV-2. Um estudo divulgado ontem, feito em conjunto por professores da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), e Universidade do Estado da Bahia (Uneb), concluiu que 24% da população tiveram contato com a doença. Com isso, o número real seria três vezes maior do que os dados oficiais mostram. Apenas o Rio de Janeiro teve igual porcentagem.

Os pesquisadores também avaliaram o número de casos novos nos últimos sete dias e concluíram que o DF teve 186 ocorrências para cada 100 mil habitantes. Tarcísio Rocha Filho, físico do Núcleo de Altos Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento da UnB e um dos pesquisadores participantes do levantamento, explica que a pandemia, no DF, está em expansão. "No mundo foi assim e, quando veio a segunda onda, foi pior, porque as pessoas relaxaram, criando condições para isso acontecer", avalia. "A situação se deteriorou de vez. Aqui, no DF, tivemos cerca de 80 casos novos para 100 mil habitantes por semana para cada 100 mil habitantes. Hoje, são da ordem de 180."

Projeções
O estudo fez projeções para o país, a partir da chegada da vacina, considerando 250 milhões de doses disponíveis, sendo duas aplicadas por paciente. Também considerou uma eficácia de 95%, e imunidade permanente, alcançada 30 dias após aplicação das duas doses. Tendo início pela faixa etária de 80 anos, avançando após a imunização do grupo, para as faixas seguintes, em ordem decrescente.

Em um cenário sem a vacina, e dadas as presentes condições de isolamento social, a previsão é de quase 800 mil mortes, no Brasil, até outubro de 2021. Com políticas mais severas de isolamento, esse número cai para a metade. Com vacinação a partir de 15 de janeiro, as mortes, em outubro de 2021, estariam na ordem de 600 mil. Do mesmo modo, com medidas de isolamento maiores, a projeção cai para um pouco mais de 200 mil mortes. Em um cenário sem vacina, nem quaisquer medidas de segurança sanitárias, as mortes, em janeiro de 2022, podem chegar a 1,2 milhão. Para janeiro de 2023, os pesquisadores fazem projeções de 1,4 milhão de óbitos por covid-19 em todo o Brasil.

No DF, a Câmara Legislativa aprovou projeto de lei que estabelece prazo de 30 dias para que o governador Ibaneis Rocha (MDB) apresente um plano distrital de vacinação contra covid-19. A proposta é de autoria de vários distritais que se uniram em torno do tema. O projeto segue, agora, para sanção de Ibaneis. O emedebista afirmou, em algumas oportunidades, que seguirá o plano nacional a ser definido pelo Ministério da Saúde e que o GDF estará preparado.

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Quatro perguntas para José David Urbaez 

12/12/2020

 

 

A reinfecção por covid-19 está se tornando algo mais comum? Quais as chances disso acontecer?

Não podemos dizer que seja uma característica comum para covid-19. Mas, estamos falando de uma pandemia, ou seja, um fato dinâmico. Tudo pode se modificar radicalmente em quatro a cinco meses. A reinfecção é um fato descrito e publicado. Não há dúvidas de que ocorre, mas a dimensão parece ser esporádica. No Brasil, temos um cenário de altíssima transmissão. Se a reinfecção fosse uma característica marcante, teríamos visto saltando aos olhos.

Quem já foi infectado pode relaxar ou deve continuar tendo cuidados?

Não deve relaxar de forma alguma. Essa confirmação da reinfecção — que com certeza a gente não está conseguindo descrever melhor, porque precisa de muito refinamento científico e tecnológico — deve acontecer bem mais do que estamos vendo. É um grande alerta para pessoas que já tiveram covid-19. Inclusive, temos notícias de pessoas que foram a óbito na reinfecção. Não é para confiar que, por ter tido coronavírus, você tem um passaporte de imunidade porque existem muitos recortes que não sabemos. Não sabemos quanto tempo dura a imunidade, nem como ela varia de uma pessoa a outra. É preciso continuar se protegendo.

Em caso de reinfecção, esse vírus virá mais forte do que numa primeira ocorrência?

Dos casos descritos, você tem todo tipo de efeito: quadros mais brandos, ou assintomáticos, e desfechos mais graves. Há ocorrências mais tardias e mais precoces.

O Ministério da Saúde afirma que, para ser confirmada a reinfecção, é preciso identificar, nas amostras, enotipagens diferentes do vírus Sars-CoV-2. O que isso quer dizer?

O exame RT-PCR pode detectar o material genético do vírus por semanas e até meses. Como saber que aquele segundo teste positivo realmente é uma reinfecção e não um resíduo do primeiro episódio? Tem de  pegar aquele material e fazer o sequenciamento viral dos dois episódios. Esse procedimento é muito laborioso e disponível apenas nos laboratórios de referência de pesquisa, que são muito poucos. O vírus tem em torno de 30 mil pares de base. Tem de  ver todos, porque não há uma região isolada que possa fazer a diferenciação. Isso requer uma plataforma muito complexa, do ponto de vista técnico-científico. É um procedimento muito demorado, que leva uns quatro dias ou mais.