Valor econômico, v. 21, n. 5173, 22/01/2021. Brasil, p. A4

 

‘Maioria dos países apostou em muitas vacinas’, diz Scheinkman

Cristiano Romero

22/01/2021

 

 

Governo brasileiro errou ao ficar dependente de um fornecedor, diz economista
O governo do presidente Jair Bolsonaro fez “tudo errado” no que diz respeito à vacinação dos brasileiros contra a covid-19, diz o renomado economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. O principal equívoco, sustenta Scheinkman, foi não ter negociado a compra de várias vacinas, de fabricantes distintos, para assegurar a imunização dos 211 milhões de brasileiros.

Até o momento, o Brasil, que só começou a vacinação no domingo passado, negociou a compra de apenas duas vacinas: por iniciativa do governo de São Paulo, a Coronavac, fabricada pela empresa chinesa Sonovac, e a Astrazeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a companhia indiana Astrazeneca e que será importada pela Fiocruz, instituto vinculado ao governo federal. Nos dois casos, surgiram dificuldades que devem retardar a produção da vacina e a imunização.
“A maioria dos países seguiu um sistema de apostar em muitas vacinas, num portfólio diversificado. Além de apostar nisso, saber que nem todas iam dar certo. Então, encomendaram uma quantidade muito superior ao número de pessoas que você precisa inocular, que, no caso, é toda a população”, observou o professor, citando os casos de países como o Canadá, que, mesmo tendo 37 milhões de habitantes, importou uma variedade muito maior de vacinas que o número planejado pelo Brasil. “Israel pagou pelas vacinas preços maiores que os do mercado para garantir o suprimento.”

Scheinkman elogiou a iniciativa do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que começou a negociar com a China a importação de vacinas da Sinovac, bem como dos insumos para produção no Brasil, em abril do ano passado, um mês após a confirmação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “O Estado de São Paulo fez um trabalho ótimo”, disse.

Considerado um dos maiores especialistas do mundo em microeconomia - antes de lecionar na Universidade de Columbia, deu aulas durante muitos anos em Princeton, de onde é professor emérito, Scheinkman criticou, em entrevista ao Valor, a ausência do Ministério da Economia na definição da estratégia de vacinação.
“Há um problema que o Ministério da Economia deveria ter entendido. Tem coisas que a gente ensina para alunos de primeiro ano do curso de finanças: ‘não ponha todos os seus ovos na mesma cesta’”, assinalou. Este é um problema de Economia, um problema de risco, um problema no qual os economistas pensam o tempo todo. É que nem comprar ação. Como é que você faz um portfólio para sua aposentadoria? A primeira coisa que se ensina é: ‘não compre só uma ação’.”

O economista também criticou a tese da “imunização de manada (ou de rebanho)”, defendida por setores do governo e por formadores de opinião em artigos publicados nos jornais. Por essa tese, a vacinação de apenas parte da população faz com que mesmo pessoas não vacinadas sejam protegidas contra doenças, uma vez que os imunizados não transmitirão a doença. “Essas coisas tinham uma chance em um milhão de dar certo.

Quem escreveu isso não tinha nenhum conhecimento em epidemiologia. Não tem também nenhum tratamento quantitativo, que é o mínimo que se precisa para entender um estudo de epidemiologia”, disse o professor, que deu ontem a aula magna de curso organizado pela ENAP para ajudar prefeitos a enfrentarem problemas de gestão.