O Estado de São Paulo, n.46346, 07/09/2020. Economia, p.B3

 

Entrevista - Andrew Winston: "Líderes que veem farsa em mudança no clima atrapalham"

Andrew Winston

Beatriz Bulla

07/09/2020

 

 

Empresas têm poder para pressionar governo, mas não o têm usado em favor da agenda, climática, diz Winston

Para Andrew Winston, autor do livro Green Recovery e que há 20 anos ajuda a tornar negócios mais sustentáveis, as empresas ainda não se comprometeram com a questão climática em ritmo suficiente. Mais do que à recessão, ele credita a líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro a desaceleração da agenda ambiental. Sem políticas estabelecidas, diz, fica mais difícil para as empresas atuarem e se engajarem na cobrança do governo.

Há cerca de 20 anos, Andrew Winston trabalha ajudando grandes empresas a tornar seus negócios mais sustentáveis. Em meio à crise financeira de 2009, ele publicou o livro que trazia no nome o seu plano para a recuperação econômica: Green Recovery (Retomada Verde, em português). Na época, sua função era convencer empresas de que adotar uma agenda de sustentabilidade seria a saída para a crise e, em vez de representar um aumento de custos, seria economicamente benéfico. Agora, diz ele, parte dos desafios mudou.

Em entrevista ao Estadão, Winston afirma que empresas se comprometeram com a questão climática, mas ainda não em um ritmo suficiente. O maior obstáculo, afirma ele, é a mentalidade de curto prazo na gestão nas companhias.

O maior fator de desaceleração de compromissos ambientais são líderes que não estão comprometidos com o tema – ele cita especificamente Donald Trump e também Jair Bolsonaro. Sem as políticas ambientais estabelecidas, diz Winston, "fica mais difícil para as empresas fazerem o que pensam que precisam fazer" e se engajar na cobrança do governo sobre o tema. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Você desafiou a ideia de que ser sustentável representaria mais custos a empresas há mais de 10 anos. Empresas parecem ter entendido esse conceito. O que mudou? Qual o desafio de agora?

Em parte, as tendências maiores não mudaram. A mudança climática ainda está aqui, a pressão sobre os recursos, as mudanças sobre energia renovável através de demandas geracionais, os mais jovens querendo que as empresas sejam mais sustentáveis. Ainda está tudo aqui. Essa é parte da razão pela qual as empresas evoluíram em seu pensamento sobre sustentabilidade. As megatendências são reais e as empresas as sentem, ouvem os funcionários mais jovens e clientes, que querem que assumam um papel na sociedade. Veja os protestos do Black Lives Matter aqui nos EUA. Todas as empresas sentiram a necessidade de se posicionar sobre raça e sentem cada vez mais a necessidade de dizer algo sobre direitos LGBT, por exemplo.

Mas, sim, acho que desde que escrevi meu primeiro livro superamos a primeira batalha para as empresas entenderem que há benefícios em tornar seus negócios mais sustentáveis. Outra coisa que mudou é a questão de compromissos baseados na ciência, que significa estabelecer uma meta para cortar as emissões de carbono na velocidade que os cientistas dizem que precisamos para conseguir cortar as emissões pela metade em 2030, em 2040 ou 2050. Há grandes empresas agora fazendo isso, centenas. Há cinco ou seis anos talvez só dez fizessem. Portanto, claramente progredimos, mas não estamos indo rápido o suficiente.

 Logo antes do coronavírus, as mudanças climáticas estavam no centro dos palcos multilaterais como encontros do G20, reuniões do FMI, Davos, Assembleia da ONU. Os debates mudaram em razão da urgência em discutir saúde e economia. Corremos risco de retroceder na agenda sustentável?

Sempre que há uma recessão a atenção para a sustentabilidade diminui. Em uma empresa, se demissões vão acontecer normalmente o departamento inteiro é cortado. Desta vez, não vimos isso. As empresas, como eu disse, sabem o que precisa estar na agenda. Elas não estão parando. Conversei com muitas empresas e elas ainda estão conversando sobre clima porque estão sentindo que as megatendências são reais. Infelizmente, temos que gerenciar a pandemia, o clima, a desigualdade, a questão racial ao mesmo tempo. E são coisas que estão conectadas de várias maneiras. Mas a quantidade de dinheiro disponível para investimento ou projetos é menor.

Mas como você disse, há menos de discussão. A Cúpula do Clima, que acontece todo ano, foi adiada. Vamos perder um ano de negociações multilaterais de 130, 180 países. Como isso não desaceleraria as coisas? Mas eu diria, honestamente, mais do que recessão, o que desacelerou a agenda foram os líderes mundiais que pensam que as mudanças climáticas são uma farsa ou que apenas não se importam, como Trump e Bolsonaro. Quando as políticas não existem, fica mais difícil para as empresas fazerem o que pensam que precisam fazer.

Qual o papel das empresas em pressionar o governo a se comprometer com a proteção ambiental?

As empresas têm um poder tremendo nos EUA e não tem usado muito em favor da agenda climática. Os únicos que têm usado esse poder sobre o tema são as empresas de combustíveis fósseis, que colocam os dólares em lobby junto aos parlamentares. As outras empresas foram um pouco mais cuidadosas. Há muitas ONGS e investidores que estão pedindo às empresas que vejam o que estão fazendo em lobby e, em particular, o que seus grupos comerciais e associações comerciais estão fazendo. Há empresas que realmente trabalham para tornar os negócios mais sustentáveis, mas então associações com câmaras ou grupos com os quais elas contribuem acham que a mudança climática é uma perda de tempo. Há uma desconexão.