Correio braziliense, n. 21022, 14/12/2020. Política, p. 3

 

STF cobra data de vacinação

Renato Souza 

14/12/2020

 

 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu 48 horas para que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informe a data de início e previsão de término do Plano Nacional de Imunização contra a covid-19, detalhando o período de cada fase. A decisão, tomada ontem, também determina que a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifeste sobre o caso. O magistrado é o relator de ações que questionam o posicionamento do governo frente à pandemia, como o plano de vacinação em todo o país e aplicação obrigatória da vacina. O tema estava previsto para ir a plenário na próxima quinta-feira, mas foi adiado após a proposta de imunização ser enviada pelo governo.

Pesquisadores questionaram diversos pontos da proposta enviada ao Supremo. Pelo menos 36 cientistas, dos 145 que assinam o projeto, afirmam que sequer viram o documento antes dele ser apresentado ao Supremo. Ao Correio, uma das pesquisadoras, a professora Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), questionou a conclusão do documento sem previsão para que as primeiras doses sejam aplicadas na população. O nome dela aparece entre os autores, mas a pesquisadora destaca que não deu aval para a publicação.

O Ministério da Saúde alega que os pesquisadores atuaram como convidados, sem poder de decisão. "Vale destacar que os convidados especiais foram indicados no Programa Nacional de Imunizações para participarem de debates, com cunho opinativo e sem qualquer poder de decisão na formalização do Plano de Imunização contra a Covid-19, conforme previsto na Portaria Gab 28, de 3 de setembro de 2020, que institui a Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis", informou a pasta, em nota.

Ethel afirmou que os participantes têm o direito de serem consultados sobre a publicação de qualquer documento, especialmente um que será usado para nortear decisões do Poder Judiciário. "Elaborar significa produzir. E mesmo que o ministério tenha a prerrogativa de fazer as escolhas (dos convidados), nós temos a opção de escolher se nosso nome deve constar no documento ou não. É uma questão de respeito, nem que se dê tempo para as pessoas lerem e se manifestarem. Em nenhum momento esse documento foi passado", afirmou.

Contraindicações
O governo informou que tem garantido, por meio de acordos de intenção de compra, a aquisição de doses para 51 milhões de pessoas, o que representa um quarto da população brasileira. Cada paciente deve ser vacinado duas vezes. As contraindicações são para pessoas com alergias graves à vacina e menores de 18 anos, de acordo com o governo. A população carcerária e profissionais de educação que não são professores foram excluídos dos grupos prioritários, que devem receber a vacina primeiro. O Ministério da Saúde assumiu que não tem uma data para que as primeiras doses sejam administradas, diferentemente de outras nações, como Estados Unidos, que começa a vacinação hoje, e do Reino Unido, que iniciou o processo de imunização na semana passada.

O projeto do governo informa que as equipes que devem atuar na campanha de vacinação começam a ser treinadas em abril de 2021. As doses compradas serão alocadas, em sua maioria, em São Paulo, em um centro de distribuição em Guarulhos. No entanto, outros depósitos devem ser usados no Rio de Janeiro, em Brasília e Recife. Uma campanha de vacinação deve ser lançada nos veículos de comunicação e nas redes sociais. Uma das ações apresentadas é o uso do aplicativo "Conecte SUS", para que os pacientes tenham acesso ao histórico de vacinas, consultas, uso de medicamentos e exames realizados, inclusive de coronavírus. A plataforma já está no ar, e pode ser baixada em todo o país, com dados preliminares.

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Três perguntas para Ethel Maciel 

14/12/2020

 

 

Existe fundamento científico para excluir a população prisional dos grupos prioritários para receberem a vacina?

Não existe justificativa. É o plano nacional de imunização. Temos que colocar todas as populações vulneráveis. Nós mandamos um documento técnico para embasar as ações quando eles fossem escrever o plano. Listamos diversos grupos, como trabalhadores essenciais da educação, todos eles, não só os professores. Nem estamos falando de vacina para todos. Esses seriam apenas os grupos prioritários.  O que eu discordo e falei isso, na reunião com o governo, é que não podemos fazer um plano ajustado com os acordos comerciais que o Brasil tem. Isso não é correto. Nós pesquisadores precisamos decidir quem será vacinado, e não fazer um plano em cima das doses que nós temos.

Ao longo da sua carreira como pesquisadora, a senhora já tinha visto ocasiões em que pesquisadores convidados assinam como autores de projetos como este sem terem acesso ao documento final?

Nunca vivenciei isso. E já participei de vários governos, em câmaras técnicas. É importante dizer que não estamos falando de um documento interno, mas, sim, de um enviado ao Supremo para responder a uma ação. Considero bastante grave, pois nossos nomes estão abaixo da palavra elaboração. Elaborar significa produzir. E mesmo que o ministério tenha a prerrogativa de fazer as escolhas (de quem convidar), nós temos a opção de escolher se nosso nome deve constar no documento ou não.

É comum este tipo de plano não ter uma data para o início da vacinação?

Achei muito estranho (não ter a data). Nós já temos uma vacina que está aprovada em uma agência norte-americana, na Europa, no Canadá. Poderia-se dizer em que locais estaria armazenada e outros detalhes.