Título: Voto facultativo volta ao debate, mas encontra séria resistência
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2008, Eleições Municipais, p. A22

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BRASÍLIA

A presença do eleitor nas urnas daqui a quatro anos, na próxima eleição municipal, pode deixar de ser obrigatória. Líderes da base governista esperam emplacar nas discussões da reforma política ¿ programadas para 2009 ¿ um debate sobre o voto facultativo. Tema de 17 propostas de emenda à Constituição que repousam nas gavetas da Câmara e do Senado, a idéia é considerada polêmica, mas pode ganhar fôlego desta vez porque tem um diferencial: o eleitor é quem vai decidir sobre a manutenção ou não do voto obrigatório.

A nova proposta de voto facultativo ganha contornos com o deputado Geraldo Magela (PT-DF) e prevê um plebiscito para o cidadão opinar sobre a questão. Magela contabiliza o apoio de 130 parlamentares e argumenta que o sistema eleitoral brasileiro precisa ser revisto para acompanhar as transformações do mundo. Dos 193 países com eleições diretas, apenas 30 obrigam seus habitantes a votar ¿ a maioria está na América do Sul e teve sua vida política pautada pelo autoritarismo e golpes de Estado.

¿ Ninguém melhor do que o eleitor para julgar a questão ¿ afirma o petista. ¿ Nós temos, hoje, uma bagagem cultural, um avanço político que nos permite evoluir.

Outro argumento que surge entre os parlamentares que defendem o voto facultativo, como o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), candidato a prefeito do Rio, é que o voto não é obrigatório, mas sim, o registro como eleitor e o comparecimento nas urnas.

- O cidadão chega ali e deixa de votar, ou simplesmente opta pelo voto branco na urna, ou anula o voto; não exercita efetivamente seu direito de votar, às vezes, até contrariado por esse caráter de obrigatoriedade ¿ diz o senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO).

Resistência

A mobilização, no entanto, promete encontrar resistência por todos os lados, mas especialmente no Senado. Por lá, três PECs sobre o voto facultativo avançaram pelas comissões, mas nunca chegaram ao plenário. A mais recente recebeu aval em junho deste ano, quando a Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH) converteu em proposta de emenda constitucional uma sugestão feita por uma associação comunitária em favor do voto facultativo.

O texto ¿ apresentado pela Associação Comunitária de Chonin de Cima (Acocci), de Governador Valadares (MG) ¿ propõe alterar o artigo 14 da Constituição, que torna o voto obrigatório e mantém a obrigatoriedade de o cidadão tirar e guardar o título de eleitor, mas o livra da obrigatoriedade de votar.

A matéria aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

¿ Eu vejo que, no processo de aperfeiçoamento da democracia, podemos considerar como didático que tenha havido o voto obrigatório desde a (promulgação) da Constituição de 1988 ¿ avalia o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que relatou a proposta na CDH. ¿ Mas, acho que podemos passar para o estágio do voto facultativo.

Agora, a proposta deve encontrar dificuldade para tramitar na CCJ. O presidente da comissão, senador Marco Maciel (DEM-PE), ex-vice-presidente da República, lidera a tropa de choque contra o fim do voto obrigatório. Acredita que a obrigatoriedade do voto tem uma função social porque obriga o candidato a interagir com o eleitor, especialmente o de baixa renda.

¿ Sou a favor do voto obrigatório porque ele se identifica com a cidadania ¿ pondera Maciel. ¿ Tenho receio de que voltemos aos tempos do voto do cabresto, com vantagens financeiras, pessoais, se sobrepondo a ideologia política.

Na avaliação dos parlamentares contrários ao voto facultativo, o baixo índice de comparecimento nas urnas seria um outro ponto desfavorável.

¿ É uma omissão ¿ comenta Maciel. ¿ Nós temos que trabalhar pelo fortalecimento do sistema partidário, do sistema eleitoral como um todo e não retrocedermos.

A prática pode não corresponder às experiências de outros países. Pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ao Instituto Vox Populi revelou que 51% dos entrevistados disseram que votariam mesmo sem a obrigatoriedade, enquanto outros 11% "provavelmente votariam". A resposta oscilou de acordo com a região. No Sul e no Norte, os que "com certeza" votariam somam 60%, enquanto no Nordeste o índice cai para 47% e, no Sudeste, para 48%. Já no Centro Oeste, 55% votariam "com certeza".

Se o voto fosse facultativo, 38% dos eleitores não iriam às urnas registrar sua preferência. Entre esses, 30% disseram que "com certeza não iriam votar" e 8% que "provavelmente não iriam votar". A pesquisa foi realizada entre 27 de junho e 6 de julho com o objetivo de traçar um perfil do eleitor brasileiro. Das 1.502 pessoas consultadas em todas as regiões do país, apenas 1% disse não saber o que responder.

Para Magela, os números não surpreendem.

¿ O voto facultativo aprimora a democracia porque vota o eleitor consciente, que tem participação na vida política do país.

TSE

As discussões sobre o voto facultativo também devem movimentar o meio eleitoral. E ao que tudo indica as restrições ao debate devem ser menores. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, deu o tom das articulações. Britto compartilha da teoria de Magela e defende o fim do voto obrigatório.

¿ Eu entendo que temos um encontro marcado com esse tema no futuro e a legislação consagrará, como em outros países, a voluntariedade do voto ¿ afirmou o presidente do TSE. ¿ O eleitor comparecendo porque quer participar efetivamente do processo eleitoral e se engajando nas campanhas com mais conhecimento de causa e determinação pessoal.

Mas o presidente do TSE acredita que antes dessa transformação no sistema eleitoral é preciso que o desenvolvimento econômico alcance uma maior parcela da população e que a democracia se fortaleça.

¿ Como rito de passagem, a obrigatoriedade do voto deve permanecer ainda por mais tempo ¿ pondera Britto. ¿ Até que a democracia se consolide e que a economia chegue mais para todos.