Título: Mini-constituinte não tem espaço
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2008, País, p. A26

Presidente do STF é defensor intransigente da Constituição e avisa: não há espaço na Carta Magna para se promover uma mini-constituinte como se alardeia.

A defesa ardorosa do texto constitucional é um dos traços da carreira do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. No cargo há cinco meses, Mendes é ministro do Supremo há seis anos.

Equilibrado, ele se opõe aos que criticam o caráter analítico da Carta, sustentando itens como o que rege o salário mínimo. "É importante para que os mais simples se vejam refletidos na Carta. Mas também não esconde os desafios gerados ao Supremo por este caráter detalhista". Ex-advogado-geral da União, Mendes minimiza a questão do grampo telefônico do qual foi vítima e diz que o tema cabe à legislação ordinária e é um sintoma da tentativa de criação de uma República da Polícia.

Como avalia a Constituição brasileira?

O texto teve um modo de feitura singular e acabou albergando muitas pretensões e se tornando analítico. Mas, agora, quando estamos a celebrar e fazer análise crítica, acho que a Constituição resultou extremamente positiva, pois produziu democracia, normalidade institucional e desenvolvimento econômico. Estamos vivendo, sob sua égide, 20 anos de normalidade institucional, talvez os mais longos da vida republicana. Isto é um dado importante, que fala bem do Texto de 1988.

O senhor já disse que governar é também fazer emendas constitucionais. É uma crítica ao açodamento na construção do texto?

Estávamos saindo de um momento de autoritarismo, de ditadura e as pessoas entendiam que a forma de resguardar os seus direitos era colocar essas suas posições no texto constitucional. Produziu-se, portanto, uma Carta analítica, daí então a necessidade de reformas constitucionais. Mais do que uma crítica, é um juízo de constatação. Na medida em que a Norma alberga, incorpora definições que deveriam estar na legislação ordinária, nós temos de fazer as reformas constitucionais.

Quais pontos da Constituição que mais desafiam o cotidiano do STF?

Temos muitos desafios: os direitos individuais em geral, as liberdades em geral, os direitos de caráter social, especialmente a sua realização, como o salário mínimo, o direito à assistência social aos idosos e deficientes e conflitos federativos.

O perfil híbrido do texto abriu caminho para superestruturas?

Este é um problema do mundo constitucional globalizado, a criação de grandes estruturas, de megaestruturas, de megaempresas, algumas delas inclusive maiores que os próprios Estados. Nós temos que fazer nosso aprendizado de controle institucional, inclusive também no plano da supranacionalidade.

Qual seria a abordagem mais interessante no caso da questão tributária?

Esta é uma questão delicada. Certamente há um direito subjetivo de não ser extorquido em matérias tributárias, mas também há um dever de pagar tributos. Há, ainda, os direitos de caráter social, que têm de ser mantidos pelo Estado. Ora, o Estado só mantém serviços a partir de recursos que retira dos contribuintes, da sociedade. Não podemos falar em carga tributária alta ou baixa sem estabelecermos relações com os serviços que pretendemos. E isto tem de ter referencial no texto constitucional

E a questão do grampo, como fica na Carta?

Aqui, talvez, seja um processo de falta devido ao controle dos setores envolvidos. Seja o Judiciário, o próprio Ministério Público, são faltas de sintonias que não têm nenhum significado no sistema macroestrutural da Constituição. São questões que podem ser corrigidas sem nenhuma alteração constitucional, com mera alteração legislativa. Temos vivido este tipo de República da Polícia, em consórcio com juiz e MP. Não podemos ter República de nada. Nem de juiz, nem de promotor, temos que ter uma República democrática.

É preciso uma nova Constituinte, 20 anos depois?

Não, vamos continuar nosso processo de aprendizado. Não vejo na Carta de 1988 condições de se fazer uma mini-Constituinte, não vejo permissão para isto.