Título: Delfim culpa todos pela crise
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2008, Economia, p. E1
O retorno da economia americana aos trilhos do desenvolvimento será um processo longo.
SÃO PAULO
Quando o assunto é a turbulência americana, Delfim Netto, 79 anos, é claro e direto: os problemas estão longe do fim. A retomada da normalidade financeira no sistema carece de muito mais que as medidas do plano de emergência aprovado pelos congressistas. Ele aponta os culpados pelo desastre global: todos os que estiveram à frente do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) e do Tesouro nas gestões atuais e nas anteriores mais recentes e defenderam a não-regulamentação de Wall Street.
Segundo ele, o momento oferece um rico encontro entre a teoria e a prática econômica, e deve gerar novas possibilidades em ambos os níveis. E, para ampliar ainda mais esta dinâmica, o fator político ocupa posição relevante e pode determinar rumos inesperados, como a rejeição do Congresso americano ao primeiro pacote. O resultado, segundo Delfim, será o aperfeiçoamento das instituições e uma nova realidade social, que vai gerar problemas inéditos na área econômica.
Como o senhor avalia o atual estágio da crise americana?
A crise está se desenvolvendo de uma maneira pior do que a gente imagina. Todos esperavam que o congresso americano aprovasse logo o projeto proposto pelo Executivo. Mesmo com a aprovação prevista, esta espera dificulta imensamente a questão.
O senhor tem afirmado que esta crise reúne a teoria econômica e a realidade. Qual deve ser o resultado deste encontro?
O desfecho habitual: instituições mais aprimoradas pelos teóricos e novas realidades que vão produzir novos desafios.
E qual o papel da política nesta dinâmica?
O desenvolvimento da economia, em variados graus, pode ser obtido dentro de vários regimes políticos. No regime democrático, com eleições livres e sistema jurídico eficiente, o processo pode ser aprimorado pela regulação que impeça manobras oportunistas dos eleitos. O Banco Central, desde que autônomo, cumpre este papel na área monetária. No caso americano, há dificuldades políticas imensas como a questão do Fed, em que três diretores não foram nomeados, gerando uma verdadeira concentração de poder na mão do Bernanke. O projeto propunha uma concentração enorme de poder na mão do secretário do Tesouro, o Henry Paulson. Agora Bernanke, Paulson e os outros tentam corrigir seus erros às custas do contribuinte americano. Era natural que o Congresso reagisse, mas ninguém esperava aquela rejeição, foi uma surpresa.
Há alguma outra solução além do plano que voltou a ser negociado?
Ninguém tem outra saída muito melhor, não há nenhuma outra que resolva de maneira efetiva esta questão. Acho que o projeto que saiu do Congresso já era melhor do que o que foi apresentado e agora o próximo deve atender estes problemas. Este tsunami mistura a situação econômica com a situação política.
Alguns analistas dizem que Obama e McCain não seriam estadistas à altura desta encrenca. Como o senhor vê os candidatos à presidência diante da crise?
Bem, quem está dizendo isto ou tem muita informação ou é um idiota. Acho que são candidatos normais, como todos os que concorrem à presidência. Não vejo sentido nesta má avaliação sobre a competência de ambos.
Esta é uma das mais sérias crises que o mundo já viu?
Esta é uma crise muito séria, porque corre o risco de se tornar sistêmica e atingir o setor real de maneira grave. Mas não é a maior crise, que continua sendo a que o mundo viveu em 1929.
A aprovação do pacote é o ponto de inflexão desta crise?
Não, o pacote é importante, mas não tem força. A virada será apenas e tão somente quando o sistema financeiro restabelecer a confiança.
A compra dos títulos podres prevista no plano de emergência americano e o aumento da liquidez não seriam marcos mais importantes no sistema financeiro?
São importantes, sem dúvida. Mas esta crise não será resolvida com liqüidez, nem com intervenções tópicas. Apenas quando se restabelecer a confiança dos agentes nos outros agentes. É disto que se trata. Os mercados, especialmente o financeiro, funciona em um ambiente de gás invisível, catalítico, que é a confiança. Eu confio em você, você confia nele, ele confia em mim, portanto eu posso emprestar para você, que usa adequadamente os recursos. Só quando esta dinâmica for retomada, e acho que levará algum tempo para que aconteça, é que a crise começará a ceder.
Quais os impactos desta crise no Brasil?
Na realidade, o Brasil está hoje numa situação um pouco melhor do que esteve, mas não se isolou do mundo. A conseqüência mais grave para o país é que haverá redução do crescimento.
Este crescimento mais modesto afetará as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)?
Depende muito do próprio ritmo do crescimento. O PAC depende de obras fundamentais e de recursos do governo.
São obras caras, e dependem de financiamento externo...
Sim, mas também há que se considerar a dependência do setor privado, se os empresários conseguirão o crédito para cumprir aquilo que estão prometendo.
Acredita que isto é viável para 2009, mesmo com a retração do crédito internacional?
Acredito que as coisas no Brasil serão menos graves do que parecem.