O Estado de São Paulo, n.46349, 10/09/2020. Política, p.A4

 

Lava Jato acusa advogado de Lula e filhos de ministros

Pepita Ortega

Rayssa Motta

Fausto Macedo

10/09/2020

 

 

Rio. Investigação aponta desvios de R$ 151 milhões de recursos repassados ao Sistema S e à Fecomércio-rj; entre os réus estão Cristiano Zanin, Eduardo Martins e Tiago Cedraz

O juiz da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, aceitou denúncia contra 26 pessoas por suposto envolvimento em esquema que teria desviado, entre 2012 e 2018, R$ 151 milhões de recursos repassados pela Receita Federal ao Sistema S – Sesc, Senac e Fecomércio – do Estado, por meio de contratos fictícios de advocacia. A força-tarefa da Lava Jato no Rio investiga ainda suspeita de desvios de outros R$ 204 milhões pelo esquema.

Entre os réus estão o advogado Eduardo Martins (filho do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins), o também advogado Tiago Cedraz (filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União), o exministro do STJ César Asfor Rocha e seu filho, Caio Rocha, os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, que representam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a advogada Ana Tereza Basílio, defensora do governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), além do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.

A denúncia, que abrange 43 fatos criminosos e trata de crimes de organização criminosa, estelionato, corrupção ativa e passiva, peculato, tráfico de influência e exploração de prestígio, foi aceita no fim de agosto, mas só tornada pública ontem. No mesmo dia, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal deflagraram a Operação E$quema S, que cumpriu 50 mandados de busca e apreensão em endereços de advogados, de escritórios e de empresas investigados. Além dos réus, foi alvo de buscas e apreensão endereço ligado ao advogado Frederick Wassef, que já defendeu o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj). Ele não foi denunciado.

As investigações partiram da Operação Jabuti, aberta em 2018, e reuniram dados compartilhados de apurações da Receita, do TCU, da Operação Zelotes, além de quebras de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário, e também informações fornecidas pelo ex-gestor das entidades, Orlando Diniz, em colaboração premiada.

Os recursos do Sistema S do Rio investigados têm origem pública – da Receita, que repassa contribuições sobre folhas de pagamento de empresas comerciais para os serviços investirem na capacitação e bem-estar de comerciários. Segundo o Ministério Público Federal, entre 2012 e 2018, Sesc, Senac e Fecomércio do Rio destinaram mais de 50% do seu orçamento anual para contratos com escritórios de advocacia. Ainda de acordo com a denúncia, teriam sido firmados contratos fictícios entre a Fecomércio-rj e escritórios de advocacia, fazendo referência a serviços não prestados. Os pagamentos teriam sido destinados a outros fins, como corromper servidor do TCU e influenciar em decisões do Conselho Fiscal do Sesc.

De acordo com a denúncia aceita pela Justiça Federal, o esquema teria sido liderado por Orlando Diniz, que chegou a ser preso na Operação Jabuti, em fevereiro de 2018. O esquema incluía "o uso de contratos falsos com escritórios dos acusados ou de terceiros por eles indicados, em que serviços advocatícios declarados não eram prestados, mas remunerados por elevados honorários (mais informações na pág. A6)", sustenta o Ministério Público.

Ainda de acordo com a acusação da Procuradoria, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin receberam cerca de R$ 68 milhões da Fecomércio do Rio entre 2012 e 2018 – parte do valor é objeto da investigação. Para o MPF, os dois advogados tiveram "todo o comando do esquema de contratações", determinadas para influenciar decisões do Sesc e em tribunais a favor de Diniz. Em nota, Teixeira e Zanin não confirmaram o montante recebido, afirmando que não comentam assuntos relativos a "honorários advocatícios contratados, que são protegidos por sigilo legal".

'Facilidades'. "As apurações comprovaram que Diniz era persuadido pelos integrantes da organização criminosa no sentido de que novos contratos (e honorários) eram necessários para ter facilidades em processos em curso no Conselho Fiscal do Sesc, no TCU e no Judiciário", dizem os procuradores.

A investigação afirma ainda que, como os contratos eram feitos com a Fecomércio-rj, uma entidade privada, seu conteúdo e pagamentos não eram auditados pelos conselhos fiscais do Sesc e do Senac nacionais ou pelo TCU e pela Controladoria-geral da União (CGU) – órgãos que controlam a adequação dos atos de gestão das entidades com sua finalidade institucional.