O Estado de São Paulo, n.46351, 12/09/2020. Economia, p.B2

 

Reformas, reformas, reformas: para quê?

José Márcio Camargo

12/09/2020

 

 

O governo enviou ao Congresso Nacional o projeto de reforma administrativa. Em conjunto com as propostas já em tramitação – reforma tributária, novo pacto federativo, reforma emergencial, dos fundos infraconstitucionais e da regra de ouro –, temos no Parlamento um conjunto de propostas extremamente importante para o futuro do País.

Tomemos cada uma separadamente. A reforma dos fundos infraconstitucionais tem por objetivo reduzir as vinculações no Orçamento, liberar recursos para gastos discricionários e investimentos e racionalizar o Orçamento federal.

O novo pacto federativo se propõe a redistribuir as receitas tributárias entre os membros da Federação e criar regras fiscais mais rígidas para os entes federados. A reforma da regra de ouro cria gatilhos para reduzir gastos correntes, que são acionados automaticamente sempre que a regra constitucional de que o governo não pode se endividar para pagar gastos correntes acontecer. A reforma emergencial cria gatilhos automáticos sempre que os gastos obrigatórios atingem um determinado limite. Pela complementaridade entre estas três propostas, uma das possibilidades é uni-las numa única, com o objetivo de agilizar a tramitação.

Além de viabilizar o cumprimento do teto do gasto público nos próximos anos, essas reformas recolocam o Parlamento no controle do orçamento público, reduzindo o poder das corporações, como deve ser numa democracia. Ao mesmo tempo, liberam recursos para investimento em infraestrutura.

As reformas tributária e administrativa têm um objetivo de prazo mais longo: aumentar a produtividade da economia. A estrutura tributária brasileira é uma das mais complexas do mundo, o que torna caro e difícil para as empresas cumprir com suas obrigações tributárias, além de gerar um grande contencioso fiscal. Como o imposto estadual é cobrado hoje no local onde o bem é produzido, as decisões de alocação de investimentos são afetadas por subsídios concedidos pelos Estados, o que distorce a alocação de recursos, reduz a produtividade e o crescimento.

O objetivo da reforma tributária é simplificar a estrutura de impostos, com a junção de vários impostos em um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) em nível federal, com alíquota única para todos os bens e serviços, e fazer a cobrança deste imposto no destino das mercadorias, onde o produto é consumido. Com isso, espera-se uma redução do custo de cumprir as obrigações tributárias, do contencioso e da guerra fiscal entre os Estados, com ganhos de produtividade e eliminação de distorções alocativas.

Já a reforma administrativa redesenha a estrutura do funcionalismo público. Propõe o fim da estabilidade, exceto para as carreiras ditas de Estado, redução dos salários de entrada no serviço público e aumento das carreiras, eliminação de promoções e aumentos salariais por tempo de serviço, avaliação de desempenho e valorização da meritocracia. Ela vai afetar somente os futuros funcionários públicos.

A descrição acima mostra a importância da aprovação destas propostas para reduzir o déficit público, colocar a dívida pública em trajetória sustentável, aumentar a produtividade e a eficiência tanto do setor público quanto do setor privado e, portanto, o crescimento da economia no longo prazo. A questão é: serão aprovadas?

Nos últimos meses a relação entre o Executivo e o Legislativo mostrou uma melhora substancial. Foi construída uma base parlamentar sólida, o governo tem conseguido aprovar matérias importantes (lei de falências, novos marcos regulatórios do saneamento e do gás, aprovação do veto do presidente a reajustes de salários do funcionalismo, etc.), com votações suficientes para aprovar reformas constitucionais, e as reformas têm apoio dos presidentes das Casas Legislativas.

São muitas reformas, o que pode dificultar a discussão e a aprovação. Entretanto, ainda que seja impossível fazer um prognóstico, os sinais são bastante positivos.

PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS