Título: EUA, um gigante enfraquecido
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2008, Economia, p. E3

Mesmo desgastada, hegemonia americana continuará predominando na balança de poder.

O furacão que abala a economia americana seria o início da decadência da hegemonia dos Estados Unidos no mundo, um estertor do capitalismo minado por suas próprias contradições internas? Quais as conseqüências da quebra em cascata de gigantes da finança mundial e da ruína da teoria de que o mercado é o melhor regulador de si próprio, até pouco defendida acirradamente pelos expoentes de Wall Street?

Para essas perguntas, não há resposta consensual entre os especialistas brasileiros de diversas correntes de pensamento. A unanimidade atém-se à gravidade do evento e, até certo ponto, aos efeitos que provocará no resto do mundo. Há ainda uma opinião em comum: os Estados Unidos, mesmo com o maior desemprego dos últimos 25 anos e tendo à frente uma recessão e problemas orçamentários de magnitude sideral devido aos gastos que já passam do trilhão de dólares que estão sendo fazer para conter o tsunami de bancarrotas, podem estar balançando, mas não vão cair. E sua hegemonia mundial, mesmo desgastada, vai continuar, ainda que tenha que abrir espaço a concessões a seus parceiros mundiais

Desgaste em marcha

¿ Hegemonia, no sentido clássico da palavra, os Estados Unidos já não têm faz tempo, desde o declínio de Bretton Woods. A Inglaterra levou anos para perder a hegemonia ¿ diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda.

Para ele, os americanos têm o exercício do poder, que na verdade submete seus competidores a torturas inomináveis, mas já não têm a hegemonia que tinham no pós-guerra. Controlam o padrão monetário mundial, e lutam muito para defendê-lo.

¿ Não estou dizendo que eles vão perder, porque não há um substituto à altura, nem há risco de uma decadência. O que há hoje é que são os próprios efeitos da expansão americana que estão se voltando contra eles. Eles detêm a prerrogativa de emitir a moeda reserva mundial, mas estão num processo de desgaste crescente. Solucionar esta crise do ponto de vista internacional vai exigir deles certamente uma outra atitude com relação a países que guardam reservas importantes em dólar ¿ explica Belluzzo.

Sem rota de fuga

O economista destaca, entretanto, que da mesma maneira que os chineses não podem sair correndo do dólar, porque seria o mesmo que atirar no pé, os americanos também não podem impor aos chineses condições como as que impuseram ao Japão no final dos anos 80.

¿ A discussão não pode ser colocada obtusamente em termos de vão perder ou não vão perder. Tudo dependerá da resposta européia, que nesta crise mostra-se um pouco recalcitrante no alinhamento à situação americana. Assim como China, que está lá quieta, mas deu uma banana para os americanos quando eles insistiam na valorização do iuan.

Neste processo, analisa Belluzzo, no plano interno dos Estados vai haver uma carnificina, porque o comprometimento da idéia de desregulamentação foi muito grande. No seu entender, só mais tarde, quando acabar a crise, os controles internos, cuja carência situa-se no embrião da crise, serão melhorados. No âmbito internacional não conseguirão mais usar a mesma artimanha de empurrar a crise para cima dos parceiros.

Ex-presidente do BNDES e crítico contundente da geopolítica à moda americana, o economista Carlos Lessa vaticina que os Estados Unidos enfrentarão terríveis problemas de orçamento, mas não a ponto de sofrerem abalo maior no seu poderio.

¿ Estas crises não acabam o capitalismo. De certa forma até o restauram, porque queimam o excesso de capital. E, neste caso, estão queimando capital fictício. Este é o pragmatismo americano. Agora, eles não vão ligar para o mercado.

História repetida

¿ Os Estados Unidos estão passando por uma fase pela qual passaram todas as economias maduras e que um dia foram hegemônicas, como a Grã-bretanha a partir da revolução industrial e, mais remotamente os impérios espanhol e português, sem falar da Roma, lá no fundo da História. É uma conjunção negativa de piores líderes com os maiores problemas, e isto faz com que uma nação comece a rolar ladeira abaixo ¿ diz Paulo Rabello de Castro, doutor em economia pela Universidade de Chicago e chairman da agência de análise de risco SR Ratings.

¿ A hegemonia americana está num processo de desgaste evidente ¿ continua Rabello de Castro, que emenda a explicação: ¿ Existem razões financeiras para isto, mas as outras, mais escondidas, são até mais importantes do que as financeiras. Um exemplo é a demografia. Os EUA, hoje, estão se tornando rapidamente uma nação de cidadãos grisalhos.. A geração do baby boom está chegando às portas da aposentadoria, quando já não aposentada. E isto por si só já faz redefinir o foco da nação. Assuntos como previdência, saúde da terceira idade, ficam mais relevantes do que educação e tudo aquilo que faz uma nação avançar, porque é jovem. E isto num contexto de países que estão chegando à maturidade, como o caso do Brasil, e outros com mais agressividade, querendo seu lugar ao sol e prontos para pagar qualquer preço pelo sucesso, como Índia e China.

Castro chama a atenção para a ausência de líderes:

¿ A carência de lideranças nos Estados Unidos é um produto da própria sociedade. Tanto que a discussão sobre quem vai liderar os Estados Unidos, daqui para a frente se trava entre um indivíduo da terceira idade e um representante de uma das minorias locais. São dois apelos distintos e muito fortes naquela sociedade ¿ conclui.

Fora dos trilhos

Professor titular da Faculdade de Economia da UFRJ, Reinaldo Gonçalves não acha que a crise venha a representar uma mudança significativa no eixo de poder da geopolítica mundial.

¿ Há três eixos polarizantes no sistema: EUA, Europa e a Asia, com a China e o Japão. A crise saiu de um centro, bateu no segundo e no terceiro. Atinge em menor grau os dois últimos eixos e atingirá em maior grau os países da periferia, inclusive o Brasil. E nada mudará, No caso, a metáfora do comboio não é original, mas cabe. A locomotiva está trepidando na curva. Então trepidam também os vagões de primeira classe, os de segunda classe. Os de quinta classe descarrilham.

Para Reinaldo Gonçalves, os pólos do sistema vão continuar os mesmos, porque a moeda de referência é dos Estados Unidos, assim como a hegemonia cultural e no poder militar. ¿ As instituições americanas são mais robustas. E, depois disso tudo, o mundo continuará a mesma coisa. Nova York e Londres continuarão sendo os eixos do sistema financeiro internacional ¿ diz o professor da UFRJ, continuando com sua análise:

¿ A renda do mundo todo vai cair porque a locomotiva está desacelerando. O comércio mundial vai despencar neste ano e no ano que vem também. As exportações brasileiras já estão caindo, junto com os preços das commodities. E assim vai acontecer com outros países da periferia, que também exportam commodities. Com recessão, o que despenca são os preços das commodities. A China exporta manufaturados, que podem cair um pouco também, mas é um vagão de primeira classe. Cerca de 75% do PIB chinês correspondem a importações e exportações, enquanto nos Estados Unidos isto é só 25%. Então, os EUA estão muito mais blindados com relação ao mundo do que o mundo vis-à-vis os Estados Unidos. A China hoje depende muito mais dos Estados Unidos do que os Estados Unidos da China ¿ afirma Reinaldo Gonçalves.

¿ A tendência dos Estados Unidos é piorar. A economia americana não será mais a mesma depois do uso de tanto dinheiro público no sistema financeiro. Estamos assistindo à decadência gradativa do império ¿ diz Ricardo Ghizi, professor de Relações Internacionais da PUC Minas. Nesse contexto, os países que formam o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) serão cada vez mais importantes na economia mundial.