O Estado de São Paulo, n.46352, 13/09/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Pandemia faz empresas tradicionais acelerem processo de digitalização

Reneé Pereira

13/09/2020

 

 

Estratégia. De olho nos novos hábitos de consumo criados pelo isolamento social, companhias como C&A e Natura apostam cada vez em canais digitais de vendas e reduzem impacto da crise; para especialistas, empresas fizeram em cinco meses o que levariam cinco anos

O isolamento social provocado pela pandemia trouxe novos hábitos para a população e uma corrida das empresas para se adaptar a uma tendência que virou realidade. Companhias que já eram digitais cresceram como nunca durante o confinamento e foram premiadas com maior valorização de seus ativos. Aquelas que estavam no meio do caminho aceleraram o processo de digitalização, viraram multicanais e passaram a transitar com mais facilidade entre o mundo offline e o online.

"Nesse processo, as empresas brasileiras ganharam 5 anos em 5 meses. Mas, num contexto geral, podemos ter um ganho de uma década", afirma o presidente da Trevisan Escola de Negócios, VanDyck Silveira. As grandes companhias já tinham um plano de digitalização montado, mas para ser tocado num ritmo mais lento. Quando a pandemia chegou, elas entenderam que tinham de acelerar os projetos para reduzir os impactos da crise, completa o gerente de pesquisa e consultoria de Enterprise da IDC Brasil, Luciano Ramos.

É o caso da varejista de moda C&A, que foi obrigada a fechar suas 290 lojas durante o confinamento. O processo de digitalização vinha sendo tocado desde 2015, com a abertura do e-commerce da rede. A cada ano, uma nova ferramenta era apresentada para facilitar a experiência do consumidor nas compras virtuais.

A transformação estava sendo gradual, sem muita correria, até que a pandemia obrigou a rede a acelerar os planos. Com as lojas fechadas, a saída foi apostar ainda mais nas vendas online, que cresceram 350% no período. A participação do digital saiu de um dígito para 50% das vendas, afirma o chefe de e-commerce da C&A, Fernando Guglielmetti.

Ele calcula que em apenas quatro meses a empresa conseguiu um avanço que demoraria, pelo menos, três anos. O número de usuários ativos, que antes da pandemia era de 500 mil a cada 30 dias, saltou para mais de 3 milhões. Além do aplicativo, que representa 50% das vendas online, outras ferramentas ganharam peso, como o WhatsApp e o programa Ship From Store, em que o produto comprado na internet é separado pela loja mais próxima do cliente para acelerar a entrega.

Outra iniciativa foi o marketplace da C&A, que ganhou novos produtos e marcas. Hoje, a plataforma vende, além de roupas e produtos de moda, joias, objetos de decoração, brinquedos, games e eletrônicos. "Antes da pandemia, tínhamos 5 marcas em nossa plataforma. Hoje, já temos 100 e vamos continuar crescendo. Nosso objetivo é oferecer também uma gama de serviços, desde beleza, personal stylist até logística."

Saída da crise. Na avaliação de Luciano Ramos, do IDC Brasil, quem conseguiu fazer essa virada do físico para o digital reagiu melhor aos efeitos da pandemia. E pode ter vantagens na saída da crise com o fortalecimento da marca e, sobretudo, com a manutenção dos hábitos digitais da população. Numa pesquisa feita pelo IDC, 52% dos consumidores disseram que devem continuar comprando pela internet mesmo após o fim da pandemia.

Na Natura, líder em vendas diretas, a necessidade imposta pela quarentena criou também um novo hábito entre as revendedoras, que rapidamente aderiram ao mundo digital. O número de consultoras que passou a usar o espaço online para vender saltou de 700 mil para 1 milhão em junho.

"A pandemia trouxe dois efeitos: as consultoras tradicionais, que não usavam os meios eletrônicos, passaram a experimentar essa opção, fizeram treinamentos e começaram a testar as vendas online; e quem já havia aderido a esse mundo digital passou a usar de forma mais intensa", diz o diretor de tecnologia da empresa, Luciano Abrantes.

Segundo ele, o e-commerce teve um salto de 248% no primeiro semestre, comparado a igual período do ano passado. "A decisão de adesão das consultoras alcançou um patamar que demoraríamos alguns anos para conseguir", afirma ele.