Título: Crise mundial já faz o Brasil balançar
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Fonte: Jornal do Brasil, 07/10/2008, Tema do Dia, p. A2

Turbulências nos mercados de capitais atingem ponto crítico e já contaminam o setor produtivo da economia. Governo age para reforçar crédito.

O mercado brasileiro viveu on- tem momentos de grande tensão, com a paralisação do pregão da Bolsa de Valores de São Paulo por duas vezes, sob influência da queda generalizada das cotações das ações em todo o mundo.

As turbulências foram tão fortes que obrigaram o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a darem entrevista no meio da tarde para acalmar os mercados. Mantega chegou a afirmar que os mercados vivem um "momento de irracionalidade", e que a "situação é passageira".

Apesar disso, ambos anunciaram a adoção de algumas medidas contingenciais para enfrentamento das conseqüências e reflexos do colapso financeiro mundial, iniciado nos Estados Unidos, sobre o Brasil: uso das reservas internacionais do país para garantir o crédito a exportadores brasileiros, mediante compra dos títulos públicos em poder do sistema bancário, com pagamento em dólares e contrato de recompra em prazo determinado.

Paralelamente, após reunião do conselho político da presidência, no Palácio do Planalto, informou-se que o governo vai autorizar o Banco Central a comprar carteiras de crédito dos bancos comerciais, a fim de dar alívio a instituições financeiras de pequeno e médio porte afetadas pela falta de crédito em todo o mundo em virtude da crise internacional.

Parlamentares da base governista que participaram do encontro no Planalto informaram que o ministro da Fazenda admitira claramente que a crise mundial está num momento agudo, tendo em vista que o pacote de socorro aprovado pelo Congresso dos EUA não terá efeito imediato de conter as turbulências.

Outra medida anunciada é a concessão de mais R$ 5 bilhões, diretamente do caixa do governo, para reforço da linha de financiamento de pré-embarque do BNDES, normalmente usada como capital de giro por empresas ligadas ao comércio exterior.

Bolsas em pânico

Termômetro da situação da economia nacional e mundial, a Bolsa de Valores de São Paulo entrou em espiral de queda 15 minutos após a abertura do pregão, que teve os trabalhos suspensos pelo mecanismo denominado circuit breaker quando a queda chegou a 10%. Retomados os trabalhos, prosseguiu o movimento de desvalorização até a faixa de 15,11% forçando nova interrupção nos negócios. Depois de retomado, o pregão fechou com desvalorização de 5,32%.

O movimento foi induzido pela queda generalizada dos índices de negócios com ações nas bolsas de valores de todo o mundo. A desvalorização de 9,04% na Bolsa de Paris foi a maior já registrada em toda a história da instituição. Em Londres, a queda foi de 7,8%, em Nova York, de 3,52. A Bolsa de Moscou suspendeu as operações após queda superior a 15%.

Abalo real

Além da intranqüilidade no se- tor financeiro, a economia real, que engloba os setores diretamente responsáveis pela produção, também começou a apresentar sinais de inquietação: além das informações sobre dificuldades enfrentadas pela Aracruz Celulose e a Sadia devido a prejuízos em operações com derivativos, a Petrobras admitiu que o novo cenário macroeconômico forçará uma reavaliação de seu planejamento estratégico.

Também em outras áreas há temores sobre a possibilidade de redução ou cancelamento de investimentos No setor automobilístico, Fiat e General Motors anunciaram férias coletivas a seus empregados. A entidade do setor, a Anfavea, informou que foi reduzido para 42 meses o prazo médio para financiamento de compras de automóveis, que antes chegara a 60 e 90 meses, causando preocupações no mercado.

Alerta na academia

O professor Reinaldo Gonçal- ves, titular de uma das cátedras de economia da UFRJ, advertiu que a conjuntura de queda no comércio de commodities e elevação dos juros para créditos de curto prazo fará reaparecer o que classifica como vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira, no seu entender mascarada pelos grandes saldos obtidos no comércio exterior.

Gonçalves diz que o Brasil está no grupo dos nações latino-americanas que será mais afetado pela crise, deixando à vista erros de estratégia e política econômica do governo, que seriam responsáveis pela "blindagem de papel crepom do país".