Título: Resistência de países emergentes à crise não é tão grande, diz FMI
Autor: Freitas Jr., Osmar
Fonte: Jornal do Brasil, 08/10/2008, Tema do Dia, p. A3

Enquanto os americanos se ques- tionam se é justo que o presidente do Lehman Brothers, Richard Fuld, tenha recebido centenas de milhões de dólares e também tenha ajudado a quebrar uma das então "mais sólidas" instituições financeiras dos Estados Unidos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou ontem o Relatório sobre Estabilidade Financeira Global, no qual reconhece que o ponto de virada desse ciclo ainda não foi alcançado. O estudo afirma que o mercado financeiro atravessa um "período de turbulências crescentes sem precedentes" e que a resistência dos países emergentes à crise financeira atual já não é tão grande assim.

O Fundo pede uma ação conjunta e coordenada dos países para estancar a sangria da oferta de crédito. Às vésperas do encontro anual do Fundo e do Banco Mundial (Bird), de 10 a 13 deste mês, o diretor do departamento monetário e mercado de capitais do FMI, Jaime Caruana, revelou ontem que os prejuízos dos Estados Unidos com a crise financeira atingiram, até agora, a cifra de US$ 1,4 trilhão, bem acima do valor calculado em abril, quando as perdas somavam US$ 945 bilhões, em financiamentos e ativos securitizados. Do total do prejuízo, 40% referem-se aos papéis americanos comprados pelos europeus, ou seja, a Europa absorveu esse percentual das perdas dos EUA. ­

Os riscos macroeconômicos continuam a crescer, assim como a atividade econômica está desacelerando em nações desenvolvidas e a expansão das economias emergentes perde seu momento ­ disse Caruana, que acrescentou que o relatório de abril havia antecipado o aumento em nível global da preocupação em relação à qualidade do crédito. Caruana disse que, para evitar um impacto maior dessa crise, será necessária uma ação conjunta e coordenada dos bancos centrais em socorro às instituições com dificuldade, a fim de procurar restabelecer a hoje abalada confiança no mercado financeiro. ­

Nós analisamos vários cenários e chegamos à conclusão de que comprometimento será requisito para o aumento do capital e do estoque de ativos. Estimamos que, nos próximos cinco anos, serão necessários cerca de US$ 675 bilhões de capital adicional para manter o crescimento do crédito, de forma modesta, diante dos choques que enfraqueceram o mercado financeiro ­ disse. Caruana também lembrou que os países emergentes não estão tão resistentes à turbulência do mercado financeiro mundial como antes, pois agora estão diante de riscos maiores. A forte queda no volume de investidores tem resultado em uma redução do fluxo de capital de curto prazo para os mercados de países emergentes acompanhada de um aumento nas taxas de juros, informou o diretor do Fundo. Mas estudo do FMI também mostra um lado positivo para os emergentes e indica que o efeito da crise no consumo e nos investimentos de curto prazo ainda é menor do que nos países desenvolvidos e tende a aparecer de forma gradual.

Segundo Caruana, não se pode esquecer o fato de que o mercado financeiro nos países emergentes não é tão expressivo na economia quanto nos desenvolvidos, sendo essa também uma das razões de o impacto da crise global ser menor. O diretor do FMI destacou a importância da restauração da confiança do mercado financeiro e que para isso será necessário o socorro imediato. ­ Diante dessas circunstâncias sem precedentes, a restauração da estabilidade financeira requer uma decisiva e internacionalmente coerente série de medidas ­ ressaltou. Em primeiro lugar, explicou Caruana, as autoridades financeiras devem empregar medidas abrangentes, oportunas e claramente comunicadas, como fortalecer o capital-base de viabilidade das instituições. Essas medidas podem ser diferentes entre os países, com diferentes degraus de financiamento e suporte do setor publico.

Mas os objetivos devem ser bem claros e os procedimentos operacionais precisam ser mais transparentes, destacou. Ontem, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Ben Bernanke, anunciou que a instituição irá agir para manter a estabilidade do mercado financeiro, garantindo um leilão gradual de US$ 450 bilhões em ajuda para as empresas. ­ O importante agora é uma ação coordenada dos bancos centrais a fim de aliviar a crise atual do sistema financeiro ­ disse Caruana

O risco mais significante permanece no impacto efetivo entre o sistema financeiro e a economia real, explicou o diretor do FMI. ­ Um approach mais abrangente e consistente entre países deve ser suficiente para restaurar a confiança e o funcionamento de mercados e evitar um declínio mais prolongado na economia global. Acreditamos que um sistema financeiro mais resiliente surgirá ao fim desse processo de reestruturação e de desalavancagem em andamento ­ disse ele.

E o custo dessa desalavancagem deverá ser bastante elevado, segundo o relatório, podendo chegar a US$ 2 trilhões. Se não houver intervenção dos governos e os bancos privados não conseguirem se recapitalizar, o setor de crédito deverá cair 7,3% nos Estados Unidos, trimestralmente, enquanto a Europa deverá cair 4,5%. Já o Reino Unido registrará uma retração no setor de crédito de 6,3%.Reuters/Mitch Dumke