Correio braziliense, n. 21026, 18/12/2020. Mundo, p. 12

 

Com medo, o poder se isola

Rodrigo Craveiro 

18/12/2020

 

 

Com mais de 500 mil mortes e 23 milhões de infecções, a Europa oscila entre o medo e a ansiedade, às vésperas do início da imunização em massa contra o coronavírus. O presidente francês, Emmanuel Macron, testou positivo para a covid-19, começou a cumprir isolamento de sete dias e forçou ao menos sete personalidades políticas a tomarem a mesma medida, entre elas os premiês Jean Castex (França), Pedro Sánchez (Espanha), António Costa (Portugal), Xavier Bettel (Luxemburgo) e Alexander de Croo (Bélgica), além do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. Um comunicado assinado por Gabriel Attal, porta-voz do Palácio do Eliseu, afirma que Macron "tem sintomas reais, tosse e cansaço importante". O chefe de Estado da França foi submetido a "testes PCR quando surgiram os primeiros sintomas" e, apesar de isolado, "continuará trabalhando e realizando suas atividades a distância". A primeira-dama, Brigitte Macron, testou negativo.

Em seu perfil no Twitter, António Costa publicou uma foto em que um médico coleta secreção nasal com o Sawb para teste de diagnóstico. "Em virtude da confirmação do teste positivo do presidente francês, Emmanuel Macron, com quem estive ontem (quarta-feira) no Palácio do Eliseu, estou em isolamento profilático preventivo até avaliação do grau de risco por parte das autoridades de saúde", escreveu o premiê português, que cancelou uma viagem à África e suspendeu a agenda pública que exigisse sua presença física. O governo de Portugal informou que o teste foi negativado.

"Na segunda-feira, participei, com o presidente francês, da comemoração do 60º aniversário da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Hoje, após tomar conhecimento de seu (diagnóstico) positivo e seguindo todos os protocolos, suspendi todas as minhas atividades e permanecerei em quarente até 24 de dezembro", afirmou o premiê espanhol, Pedro Sánchez. O chefe de governo belga, Alexander de Croo, desejou rápida recuperação para Macron e confirmou que, devido ao contato com o francês na quinta-feira passada, ficará em isolamento até a divulgação do resultado do teste. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, decidiu tomar a mesma medida depois de participar do evento da OCDE em Paris.

Vacinação

A União Europeia (UE) começará a vacinar a população em 27 de dezembro, em uma campanha prevista para durar três dias. "Este é o momento da Europa. Em 27, 28 e 29 de dezembro, a vacinação terá início em toda a UE. Protegemos nossos cidadãos juntos. Somos mais fortes juntos", declarou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco. Cofundadora do Observatório para a Transparência das Políticas de Medicamentos (OTMeds), organização baseada em Paris, Pauline Londeix (leia Duas perguntas para) disse ao Correio que os países-membros da União Europeia (UE) compraram muitas doses de vacinas e concederam enorme financiamento público a esses desenvolvimentos, muito antes das aprovações nos mercados e antes de sabermos exatamente as caraterísticas de cada vacina desenvolvida.

As principais decisões sobre a estratégia de imunização têm sido tomadas com base em declarações à imprensa das companhias farmacêuticas, como Moderna, Pfizer e Astra. Isso parece muito insuficiente para pensar, desenvolver e implementar a melhor abordagem de vacinação para as populações. Nós lamentamos a falta de transparência no processo, desde o início das pesquisas, em março. Mais transparêcia poderia ter ajudado a desenvolver vacinas que poderiam ser usadas de modo complementar", comentou Londeix .

Ela explica que, do ponto de vista logístico, a vacina da Pfizer/BioNTech representará um grande desafio. "Como ela requer uma cadeia de ultracongeladores, apresenta dificuldades para atingir as várias populações dentro de nações da União Europeia (UE) que precisarão ser vacinadas com prioridade", afirmou. "Será um grande desafio implementar uma campanha de imunização em larga escala com um imunizante dotado de tais características." O imunizante da Pfizer/BioNTech é produzido a partir da técnica de RNA mensageiro, a qual utiliza parte do código genético do coronavírus para provocar, no organismo humano, resposta imune à presença do Sars-CoV-2.

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Duas perguntas para Pauline Londeix 

18/12/2020

 

 

Como a senhora analisa o avanço da segunda onda da covid-19 na Europa?

O número de infecções tem diminuído em países como a França, por causa do lockdowm em vigor. Mas, no momento, estamos muito preocupados com relação a uma potencial terceira onda, que poderia ocorrer entre janeiro e fevereiro. Em particular porque, no fim do ano, as pessoas vão celebrar o Natal e o réveillon e se encontrar em família, com o risco de que número de infecções volte a aumentar.

Com a vacinação em massa programada para começar em 27 de dezembro, a senhora acredita em uma redução no número de casos da doença?

Nós certamente esperamos por isso. Mas, por enquanto, há muitas questões para as quais ainda não temos respostas. O que está por trás da eficiência de 90% de vacinas que algumas farmacêuticas atestam? O imunizante reduz as formas severas da doença ou diminui a transmissão? Parece que as vacinas da Moderna e da Pfizer/BioNTech têm mais impacto sobre a redução de formas graves da doença e não sobre a transmissão. É fundamental reduzir as formas graves da covid-19, especialmente em idosos e em outras pessoas dos grupos de risco. No entanto, para quebrar a curva de infecções, também precisamos de vacinas que reduzam a transmissão. Além disso, não sabemos a duração da imunização. (RC)