O Estado de São Paulo, n.46358, 19/09/2020. Política, p.A13

 

PF apura verba oficial a atos pró-ditadura

Rayssa Motta

Fausto Macedo

Paulo Roberto Netto

Pepita Ortega

Breno Pires

19/09/2020

 

 

Polícia Federal investiga se recursos de publicidade do governo Bolsonaro foram usados para financiar manifestações antidemocráticas

A Polícia Federal investiga se o governo do presidente Jair Bolsonaro direcionou verbas de publicidade para financiar páginas na internet dedicadas a promover manifestações contra a democracia. Um relatório parcial da PF, elaborado em julho no âmbito do inquérito que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, cita o Palácio do Planalto.

Apoiadores bolsonaristas chegaram a ser presos, tiveram endereços vasculhados e prestaram depoimento às autoridades no curso das investigações, iniciadas em abril. A possível relação do grupo com o governo chegou às autoridades por meio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que repassou informações de que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) anunciou campanhas em sites e páginas ligadas aos investigados.

No relatório, a delegada Denisse Dias Ribeiro afirma que o inquérito busca saber se o governo federal agiu "deliberadamente", com base em critérios ideológicos ou por omissão no financiamento dessas páginas. "A investigação tem o objetivo de checar se essa ocorrência se deu por culpa ou por ação ou omissão deliberada de permitir a adesão da publicidade do governo federal, e a consequente monetização, ao conteúdo propagado. Outro ponto a ser elucidado (e que complementará a análise do material já em curso) é se essa conduta ocorreu por vínculos pessoais/ideológicos entre agentes públicos e os produtores de conteúdo ou mesmo por articulação entre ambos", escreveu a delegada.

A PF apura ainda se os gestores públicos buscaram usar mecanismos disponíveis em ferramentas de publicidade para evitar que as mensagens do governo chegassem a sites que disseminam ataques às instituições democráticas. "Não há informações que indiquem se os agentes públicos responsáveis, dolosa ou culposamente, criaram critérios objetivos (palavraschave, filtros ou bloqueios) que evitassem que a propaganda do governo federal fosse veiculada e monetizasse canais que difundem ideias contrarias às professadas pelo estado democrático de direito, permitindo (isto é, não impedindo), com tal prática, que ocorresse o repasse de recursos públicos com a intermediação de ferramentas tecnológicas a tais canais das redes sociais", afirma o relatório.

Ministério. O documento também cita possíveis vínculos do grupo investigado por promover atos antidemocráticos com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado pela ministra Damares Alves. A PF aponta que a extremista Sara Fernanda Giromini ocupou cargo na pasta.

"A natureza e a origem desses vínculos e as relações entre essas pessoas e agentes públicos com atuação nessa pasta merece aprofundamento, para corroborar ou eliminar a asserção de que tais contratações seriam também uma forma de distribuir fundos aos propagadores/operadores", diz a delegada no relatório.

A Secom não se manifestou até a conclusão desta edição. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disse que Sara Giromini, "quando indiciada, não pertencia mais ao quadro funcional" da pasta. A defesa de Sara não foi localizada.