Título: Após um ano, caos reina no Haiti
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/03/2005, Internacional, p. A9

Queda de Aristide não alterou situação no país

PORTO PRÍNCIPE - Grupos armados circulam nas favelas, ex-soldados controlam cidadezinhas e balas perdidas matam com frequência. Após um ano da queda do presidente Jean-Bertrand Aristide, o Haiti permanece politicamente instável e dominado pela violência.

Num exemplo do tipo de problema que o país mais pobre das Américas enfrenta, a polícia abriu fogo ontem contra milhares de pessoas na favela de Bel Air, em Porto Príncipe, que exigiam a volta de Aristide. Uma delas morreu e outra ficou ferida, segundo testemunhas.

Só nos últimos cinco dias, ao menos 26 haitianos foram mortos em favelas, elevando o total para 276 desde dezembro. Três soldados brasileiros ficaram feridos na semana passada.

Um número cada vez maior de grupos políticos e sociais que se opunham a Aristide está desencantado com o modo como o governo interino, apoiado pelos EUA, está governando o país, que conta com um histórico de dezenas de golpes de Estado.

- Este governo está apenas repetindo os erros do passado. Não combatemos o regime de Aristide para ter outro igual - disse Gerard Blot, líder de um dos mais de 10 partidos políticos que pedem a renúncia do governo do primeiro-ministro Gerard Latortue.

Alguns haitianos pobres, que ainda apóiam Aristide, acham que a economia piorou:

- Ano passado, mandei meus três filhos para a escola. Este ano, só pude mandar um - disse Marjorie Jovin, 38 anos, moradora da favela Village de Dieu.

Quem critica Latortue reclama de incompetência, violação dos direitos humanos e corrupção, as mesmas acusações feitas a Aristide, o ex-padre que era visto como herói da democracia quando derrubou a ditadura de Duvalier, nos anos 1980.

Latortue rebate, afirmando que seus críticos não se adaptaram à democracia.

- Eles não conseguem conviver com o espírito de tolerância e reconciliação nacional que queremos neste país, e com o combate à corrupção que estamos liderando.

Centenas de aliados do ex-presidente, incluindo o ex-premier Yvon Neptune, ficaram presos por meses, contrariando a lei haitiana, afirmam ativistas de direitos humanos.

Ninguém achava que o governo interino solucionaria todos os problemas que o Haiti enfrenta desde a independência da França, há 201 anos. Mas a maior decepção é o fato de os males serem os mesmos. Na época de Aristide, gangues dominavam as ruas e as autoridades abonavam a violência política. Tais grupos continuam agindo e muitos dos ex-soldados que mataram policiais e civis durante a revolta do ano passado não foram indiciados. Alguns até receberam cargos na nova administração.

As eleições presidenciais e legislativas foram marcadas para 13 de novembro, mas líderes políticos questionam a credibilidade do processo.