O Estado de São Paulo, n.46358, 19/09/2020. Política, p.A13

 

Depoimento presencial de chefes de Poder tem precedentes

Pepita Ortega

Rafael Moraes Moura

19/09/2020

 

 

Na decisão que determina a oitiva presencial de Bolsonaro, Celso de Mello destaca decisões de Teori Zavascki e Toffoli

Ao determinar que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento presencialmente no inquérito que apura suspeita de tentativa de interferência na Polícia Federal, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, apontou precedentes da Corte para amparar o entendimento de que chefes de Poder, quando sujeitos a uma investigação criminal, não têm direito à prerrogativa de depor por escrito.

Entre as decisões citadas pelo decano está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki, em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que ele era presidente do Congresso. Na ocasião, Renan pediu para prestar depoimento por escrito no inquérito em que era investigado por corrupção e lavagem de dinheiro. O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou contra o pedido, sob o entendimento de que a prerrogativa do depoimento por escrito é aplicável somente a testemunhas, e não a investigados. O posicionamento é contrário ao do atual chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, que defendeu que Bolsonaro prestasse depoimento por escrito.

"Aqueles que figuram como indiciados (inquérito policial) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o STF, não dispõem da prerrogativa, eis que essa norma legal somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima", registrou Teori na decisão de 2016 e reproduzida por Celso.

O decano citou ainda uma decisão do ex-presidente do STF, ministro Dias Toffoli, ao destacar que o artigo 221 do Código Penal, que trata da possibilidade do depoimento por escrito por chefes de Poder, somente pode ser invocado quando os mesmos constarem como testemunhas no processo.

Segundo Celso, sua decisão também vai na linha do que defendem juristas e professores. O decano afirmou que Bolsonaro tem, como qualquer pessoa, garantias fundamentais, podendo até se recusar a comparecer ao interrogatório, ou então, se comparecer, exercer o direito ao silêncio ou o de "não ser obrigado a produzir provas contra seus próprios interesses".

Temer. O caso do então presidente Michel Temer foi o principal argumento do recurso da Advocacia-geral da União contra a decisão de Celso. Um dos precedentes do Supremo usados pela AGU foi a decisão tomada em 2017, pelo ministro Luís Roberto Barroso, ao permitir que o emedebista apresentasse esclarecimentos por escrito sobre uma investigação envolvendo irregularidades no setor portuário. O ministro Edson Fachin, relator de um outro inquérito, aberto com base na delação da J&F, garantiu a Temer o mesmo direito.

"Não se roga, aqui, a concessão de nenhum privilégio, mas, sim, tratamento rigorosamente simétrico àquele adotado para os mesmos atos em circunstâncias absolutamente idênticas em precedentes muito recentes desta mesma Egrégia Suprema Corte", afirmou a AGU.

Ofício. O órgão acionou o Supremo após receber um ofício da PF com a intimação de Bolsonaro para a realização do interrogatório. No documento, a PF ofereceu três datas para que o presidente apresentasse "declarações no interesse da Justiça": 21, 22 ou 23 de setembro.

Pelo fato de Celso de Mello estar de licença médica, o pedido do governo foi analisado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que determinou a suspensão do inquérito até que o plenário da Corte se manifeste sobre o tema. Caberá a Luiz Fux, recém-empossado presidente da Corte, decidir a data em que o tema será analisado.

Aplicação

"Essa norma legal (depoimento por escrito) somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima."

Teori Zavascki

MINISTRO DO SUPREMO, EM DECISÃO DE 2016 REPRODUZIDA AGORA POR CELSO DE MELLO