O Estado de São Paulo, n.46358, 19/09/2020. Metrópole, p.A24

 

Bolsonaro e Trump levam o 'prêmio Ignobel' de 2020

19/09/2020

 

 

Ao lado de líderes de Índia, Rússia, Turquia e México, entre outros, eles foram lembrados pelo modo como lidaram com o covid-19

Premiados. Trump e Bolsonaro nos EUA: homenageados pelo combate que deram à covid

Os presidentes Jair Bolsonaro, do Brasil, e Donald Trump, dos EUA, estão entre os vencedores da 30.ª edição do Prêmio Ignobel, que aponta a cada ano os fatos mais irrelevantes ou inusitados da ciência mundial. A "homenagem", que se estendeu a vários outros presidentes, aconteceu anteontem, numa cerimônia virtual em Harvard, e se deve ao modo como os dois conduziram a crise da pandemia do novo coronavírus em seus países.

Juntos, Brasil e EUA somam cerca de 405 mil mortes pela covid-19, o que representa 35 % das vítimas registradas em todo o planeta. Ao longo de toda a crise sanitária, eles foram alvo de críticas de especialistas ao refutar o isolamento social como forma de frear o contágio e ao defender a cloroquina contra a covid, embora as pesquisas provem que ela não tem eficácia contra a doença.

Na cerimônia virtual – e não na sede habitual, o Teatro Sanders da Universidade de Harvard (EUA) –, também ganharam esse "prêmio" na categoria Educação Médica outros sete líderes: Boris Johnson (Reino Unido), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Andrés Manuel López Obrador (México), Alexander Lukashenko (Bielorrússia), Recep Erdogan (Turquia ) e Gurbanguly Berdimuhamedow (Turcomenistão).

Segundo o comunicado dos organizadores, os nove ganharam o Ig Nobel "por usar a pandemia de covid-19 para ensinar ao mundo que os políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que os cientistas e médicos". "Trata-se de indivíduos que entenderam que seus julgamentos são melhores que os de pessoas que estiveram estudando durante sua vida inteira", completou Marc Abrahams. Ele disse ter-se esforçado para conseguir que algum dos líderes premiados estivesse presente, mas não teve sorte. "Seria divertido se eles participassem."

Na definição dos próprios organizadores, o Ignobel é uma forma de fazer as pessoas pensarem. No lugar de espectadores, na sessão da quinta-feira, uma réplica animada do teatro se encheu de insetos que lançavam aviões de papel e aplaudiam qualquer coisa o tempo todo.

Dez prêmios. No total, a cerimônia distribuiu dez diferentes prêmios, em áreas como Medicina, Física, Ciência, e Psicologia. "Os ganhadores não puderam ou não quiseram nos acompanhar esta noite", disse o apresentador, recordando que em 2013 o bielorusso Lukashenko recebeu o Ignobel da Paz por "proibir o aplauso em público".

Outra premiação dividida aconteceu na área de Ciência, para uma equipe de pesquisadores de Japão, EUA, Áustria, Suíça e Suécia. Trabalhando em acústica, eles induziram o grito de uma crocodilo fêmea colocada dentro de uma câmara hermética cheia de gás hélio. O trabalho foi publicado no Journal of Experimental Biology. Na área de Psicologia, os pesquisadores Miranda Giacomin e Nicholas Rule ganharam o Ignobel por criar um método que, segundo eles, permite identificar pessoas narcisistas pelo exame de suas sobrancelhas.

Durante os 75 minutos da premiação, algumas tradições foram mantidas – por exemplo, ganhadores reais do Prêmio Nobel apresentando e "entregando" os troféus. "Foi um pesadelo que nos consumiu durante meses, mas chegamos lá", disse Abrahams, editor da revista que patrocina o Ignobel, a Annals of Improbable Research (Anais de Pesquisas Improváveis). Ele defiiniu o grupo onde estavam Trump e Bolsonaro como "líderes mundiais que acreditam que são mais inteligentes do que doutores e cientistas".

Um dos destaques foi Metin Eren, um cientista "fascinado pela história de um inuita do Canadá que conseguiu fazer uma faca a partir de suas próprias fezes congeladas". Eren, professor assistente de antropologia da Kent University, de Ohio, conseguiu congelar as fezes a 50 graus abaixo de zero. Numa entrevista por telefone, resumiu sua experiência: a faca "falhou miseravelmente" quando ele tentou usá-la para cortar carne./  COM AGÊNCIAS

PARA ENTENDER

'Primeiro rir, depois pensar'

Inventado em 1991, o Premio Ignobel tem, segundo o organizador Marc Abraham, o objetivo de "primeiro fazer a pessoa rir, e depois, pensar". Acontece sempre em setembro, em Harvard – e em sua primeira noite teve a presença de ganhadores do Prêmio Nobel. O russo André Geim foi o único até hoje a receber os dois – o Ignobel, em 2000, e o Nobel em 2010. Na mesma linha, destaca-se também nos EUA o Framboesa de Ouro, dado aos piores filmes e atores de cada ano.