Título: EUA só vêem abuso nos outros países
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/03/2005, Internacional, p. A9

Relatório do Departamento de Estado omite Guantánamo e Abu Ghraib

WASHINGTON - O relatório anual de 2004 do Departamento de Estado dos EUA sobre Direitos Humanos, divulgado ontem, não poupa ninguém. China, Rússia e até um dos principais aliados, a Arábia Saudita, foram acusados de inúmeros abusos, que incluem torturas e detenções arbitrárias. Mas o que era tradicionalmente um painel importante foi recebido como documento parcial: afinal, na nova edição não há nenhuma menção à situação dos presos na cadeia americana de Guantánamo ou às torturas praticadas por militares dos EUA na prisão de Abu Ghraib, Iraque.

O relatório avaliou a situação em 196 países e lista os tidos por Washington como os piores: Irã, Coréia do Norte, Birmânia, Bielorrússia, Zimbábue e Cuba. E destaca a situação ''debilitada'' do Sudão, onde há quase dois anos ocorrem massacres em Darfur. O estudo é primeiro divulgado depois de o presidente George Bush lançar sua campanha mundial contra ''a tirania''.

Exatamente por não falar dos abusos dentro de casa, o estudo foi desqualificado por ativistas de direitos civis, que o classificaram de ''condescendente e hipócrita''.

- Nos preocupa o fato de que esses informes tiveram seu valor moral drenado diante do nível de violações de Direitos Humanos que ocorreram sob a observação da administração Bush - afirma Ajamu Baraka, diretor executivo do US Humans Right Network, rede que congrega 160 grupos de defesa de Direitos Civis nos EUA.

Sobre os sauditas, o departamento diz que Riad tem feito progressos, ''mas os casos de abuso ainda os excedem''. Cita torturas contra presos por parte das forças de segurança, prisões arbitrárias e detenções secretas. ''A polícia religiosa continua com seus métodos de intimidação e prendendo cidadãos e estrangeiros'', afirma o documento.

''Processos judiciais correm a portas fechadas, os acusados quase sempre não têm advogados. O governo cerceia a imprensa, as liberdades de expressão, de reunião e de associação, além de violar os direitos à vida privada'', destaca Washington, mencionando a violência e discriminação contra as mulheres, crianças e minorias. Riad diz que se esforça para melhorar, mas adverte que as críticas serão contraproducentes: Podem amplificar o forte sentimento antiamericano entre os sauditas e seus vizinhos, angariando apoio para a resistência contra as reformas democráticas pretendidas por Washington.

Na China, os progressos foram tidos como ''decepcionantes''. ''Em 2004, o governo manteve as prisões de ativistas, de quem debatia na internet, de advogados, de militantes da luta contra o HIV, de jornalistas que forneciam informação sobre a pneumonia asiáticas (Sars), de intelectuais, de pessoas que tomaram parte em cerimônias religiosas e de trabalhadores que defendiam seus direitos''.

Da Rússia, o relatório fala do crescente poder no Kremlin, da ação contra a imprensa e as pressões sobre o Judiciário. ''As reformas das leis e a nomeação de governadores reforçaram o poder do Executivo'', gerando inquietação sobre a ''erosão da responsabilidade do governo''. Analistas advertem que as críticas estimulam o nacionalismo russo.