Correio braziliense, n. 21032, 24/12/2020. Política, p. 2

 

Poder independente

Jorge Vasconcellos 

24/12/2020

 

 

Após semanas de expectativa e muitas reuniões, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes partidários do bloco formado para concorrer à Presidência da Casa anunciaram, ontem, o nome do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) como o candidato do grupo. O emedebista foi o escolhido para enfrentar Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e favorito do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na disputa. Com um discurso dedicado a demonstrar diferenças em relação ao lado adversário, Rossi defendeu a democracia e disse ter "ódio e nojo à ditadura", repetindo a frase histórica do ex-deputado Ulysses Guimarães (1916-1992).

A formação da frente ampla foi anunciada por Maia na última sexta-feira. Ela reúne partidos de centro — PSL, MDB, PSDB, DEM, Cidadania, PV e Rede; e de esquerda — PT, PCdoB, PSB e PDT. Ao todo, o bloco é formado por 11 siglas.

Filho do ex-deputado e ex-ministro Wagner Rossi, Baleia Rossi é líder do MDB na Câmara e presidente nacional do partido. Ele teve a candidatura formalizada após uma série de reuniões em Brasília nesta quarta-feira. No primeiro discurso nessa condição, ele fez questão de demonstrar diferenças em relação a Bolsonaro e seus aliados. "O que nos une, neste momento, é a defesa intransigente da nossa democracia, do estado democrático de direito, das liberdades, do respeito às minorias. E, claro, que num bloco partidário que tem posições diferentes sobre diversos temas, essa diferença nos fortalece e demonstra que, na democracia, uma das belezas é respeitar quem pensa diferente de você", declarou Rossi.

O candidato elogiou a presidência de Rodrigo Maia e prometeu continuar trabalhando para manter o protagonismo da Casa. "Pela independência da Câmara, para que a nossa Câmara continue com o protagonismo. Maia foi fundamental nesse período triste de pandemia, em que mais de 180 mil brasileiros perderam vidas. Todo o esforço da Câmara foi para atender às demandas da população", discursou Rossi.

O parlamentar também se manifestou pelo Twitter, logo após a formalização da candidatura. "Vou conversar com todos os partidos do campo progressista. Respeito e reconheço nossos pontos divergentes. O importante é focar na defesa da independência da Câmara. Nossa #frenteampla é em defesa intransigente da Democracia, pois temos 'ódio e nojo à ditadura'", escreveu o candidato da frente ampla.

A postagem é acompanhada de uma foto em que Rossi, ainda jovem, aparece ao lado do ex-deputado Ulysses Guimarães (MDB), um dos principais líderes da resistência ao regime militar (1964-1985) e que morreu em um acidente aéreo, em 1992. A expressão 'ódio e nojo à ditadura' entrou para a história ao ser dita por Guimarães durante a promulgação da Constituição de 1988.

Um passo à frente
Rodrigo Maia afirmou que o bloco partidário formado por ele tem condições de vencer a eleição com o compromisso de garantir a "independência da Câmara". "Acho que é importante, agora, o líder Baleia, que liderava um partido, muito focado no seu partido, dialogar com todos os partidos, mas, principalmente, com aqueles que têm divergências ideológicas conosco, mas uma convergência em princípios, principalmente nos princípios da democracia", disse Maia.

Ele acrescentou que a frente ampla tem como prioridades a modernização do Estado, a redução das desigualdades, da pobreza e do desemprego, além da melhoria da saúde pública e da educação no país.

Resistências no PT
Apesar de escolhido como candidato, Baleia Rossi enfrenta resistências dentro do bloco. Até a manhã desta quarta, deputados do PT vinham sendo pressionados por expoentes da legenda a negar apoio a um nome do MDB. Nas redes sociais, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) lembrou da liderança do partido no processo de impeachment que sofreu em 2016, quando foi substituída no cargo pelo então vice-presidente, o emedebista Michel Temer. O mesmo alerta foi feito pelo ex-prefeito e ex-candidato à presidência Fernando Haddad (PT).

Ao mesmo tempo em que o nome de Baleia Rossi era anunciado como candidato, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), publicou em uma rede social que a sigla "só vai decidir" sobre uma eventual candidatura após debater com partidos de oposição.

Presidentes e líderes de PT, PSB, PDT e PCdoB divulgaram, em comunicado conjunto, que pretendem se reunir com Baleia Rossi na próxima segunda-feira (28/12), para conhecer "as propostas e compromissos de procedimentos que nortearão sua candidatura à Presidência da Casa".

No discurso durante o anúncio da candidatura, o deputado Baleia Rossi citou os partidos de esquerda e do "centro democrático", afirmando que deseja dialogar "com muita humildade com cada um dos parlamentares". "Queria deixar, aqui, minha palavra de entusiasmo com este início de campanha, de agradecimento a todos os partidos, partidos do centro democrático, partidos da esquerda. (Dizer) que nos vamos fazer o diálogo, nós vamos mostrar claramente o que nós defendemos, e nós vamos trabalhar a partir de agora, conversando com muita humildade com cada um dos parlamentares, para mostrar que a Câmara livre e independente é o melhor para o futuro do nosso país", declarou.

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Relator da reforma tributária 

24/12/2020

 

 

Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi nasceu em São Paulo, em 9 de junho de 1972. Formado em direito, está no segundo mandato consecutivo de deputado federal e é o autor da principal proposta de reforma tributária da Câmara, baseada na unificação de impostos sobre consumo. O parlamentar é filho de Wagner Rossi, ex-deputado e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Baleia vive até hoje em Ribeirão Preto (SP), onde a família sempre manteve fortes laços políticos. Foi nessa cidade, também, que ele começou a vida profissional, como empresário. O político ingressou na vida pública há 20 anos, como vereador em Ribeirão Preto.

A partir de 2003, cumpriu três mandatos consecutivos como deputado estadual. Em 2014, foi eleito deputado federal, com 208 mil votos, e reeleito em 2018 com 214 mil votos. Na Câmara, entre outras frentes de atuação, Rossi tem como prioridade a defesa do sistema de saúde brasileiro, público e filantrópico.

Desde 2016, Baleia Rossi é um dos 100 parlamentares mais influentes do Congresso, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Como deputado federal, apresentou projetos como o que cancela o cadastro de estabelecimentos comerciais e industriais que utilizem madeira extraída ilegalmente. Também é autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para aumentar a parcela de recursos das prefeituras no Fundo de Participação dos Municípios.

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Nas entrelinhas: No fio do bigode 

Luiz Carlos Azedo 

24/12/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, o nome do candidato do seu bloco político ao comando da Casa, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), o jovem presidente do maior partido do país e líder de sua bancada federal, com 34 deputados. Rossi conseguiu reverter as resistências da maioria dos deputados do bloco de esquerda, o que levou o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), um dissidente do PP, a desistir de disputar a indicação no grupo de Maia. Formalmente, juntos, os dois blocos somam 282 deputados, número mais do que suficiente para ganhar a disputa com o candidato governista, Arthur Lira (PP-AL), mas isso é apenas uma projeção otimista. A disputa será no corpo a corpo, voto a voto.

É aí que entra a história do bigode. Quando houve a fusão dos antigos estados do Rio de Janeiro e Guanabara, em 1975, o brigadeiro Faria Lima, interventor federal, fez um acordo com o ex-governador Chagas Freitas, cacique do MDB da antiga Guanabara, para que fosse possível formar uma maioria que aprovasse a Constituição do novo estado. Para chegar ao acordo, teve que atropelar a líder do governo, deputada Sandra Cavalcanti (Arena), e entregar a relatoria da nova Constituição a um deputado "chaguista", José Maria Duarte (MDB). Originário do antigo PSP, Chagas era um político populista, dono dos jornais O Dia e A Notícia.

Duarte era amigo do lendário distribuidor de cinema Luiz Severiano Ribeiro, que o chamava para ver os filmes antes da estreia e sugerir a tradução dos títulos, que muitas vezes não tinha nada a ver com o nome original, como em "A morte não manda recado" (The Ballad of Cable Hogue), "Os brutos também amam" (Shane), clássicos do faroeste norte-americano, ou "Django não perdoa...mata" (L'Uomo, L'Orgloglio, La vendetta), o western italiano inspirado na ópera Carmem, de George Bisset. Frasista de primeira, chamava o anteprojeto de Constituição de "boneca" e mantinha segredo absoluto sobre os acordos envolvendo o interventor Faria Lima, Chagas Freitas e o senador Amaral Peixoto (MDB), velho cacique pessedista, que era líder da oposição no antigo Estado do Rio.

Nessa época, o time de jornalistas que fazia a cobertura da Constituinte da fusão era de primeira linha: Mauricio Dias, Marcelo Pontes, André Luiz Azevedo, Rogério Coelho Neto, Carlos Vinhais e Dácio Malta, entre outros. Mesmo assim, a crise no dispositivo parlamentar do interventor era mantida em sigilo, até que Sandra Cavalcanti resolveu chutar o balde. Nessa época, o antigo Diário de Notícias ainda era o jornal dos professores e dos militares. Graças a isso, fui escolhido por Sandra Cavalcanti para uma entrevista exclusiva, na qual denunciou o acordo e renunciou à liderança, em caráter irrevogável. Foi então que resolvi perguntar ao líder do MDB, Cláudio Moacir, deputado eleito por Macaé, homem ligado a Amaral Peixoto, se a oposição pretendia formar a nova base do governo. Em off, para minha surpresa, respondeu: "Não, nós vamos ficar como bigode, na boca, mas do lado de fora".

 Traições
Esse é o problema de Baleia Rossi. O Palácio do Planalto está jogando muito pesado para eleger Arthur Lira, o principal líder do Centrão, que articulou a nova base governista na Câmara e sempre teve o apoio dos deputados do baixo clero. Tece sua candidatura com a promessa de liberação de verbas e cargos no governo, acenando com uma reforma ministerial que estaria prevista para o começo do próximo ano. Arthur Lira anunciou sua candidatura com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do Pros (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 212 deputados, que avança nos bastidores para seduzir os deputados de oposição.

O grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34), PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). O PT, com 54 deputados, lidera a oposição, que soma 124 deputados, com as bancadas do PSB (31), do PDT (28), do PSol (10) e da Rede (1). Esse acordo de bancada precisa ser confirmado por cada deputado, que negocia no fio do bigode; porém, como o voto é secreto, a palavra empenhada não pode ser cobrada depois. Como dizia Tancredo Neves, a vontade de trair é muito grande na cabine de votação.

Ninguém sabe o que vai, de fato, acontecer. Lira vem negociando individualmente há meses, inclusive com as bancadas de oposição, com uma agenda que não pode ser subestimada, porque além de verbas e cargos, oferece pra cada grupo de interesse uma pauta específica. Aos evangélicos, promete levar adiante a agenda dos costumes; aos ruralistas, desmontar a legislação ambiental; aos sindicalistas, a volta do imposto sindical; aos enrolados na Lava-Jato, blindagem contra o Ministério Público Federal (MPF) e a flexibilização da contagem do tempo de ilegibilidade da Lei da Ficha Limpa, na linha da liminar do ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Kassio Nunes Marques. Muitos estão comprometidos com Lira.