Correio braziliense, n. 21034, 26/12/2020. Política, p. 3

 

Visões distintas da pandemia

26/12/2020

 

 

Com mais de 190 mil mortos e 7 milhões de casos no Brasil, a pandemia de covid-19 foi tema do presidente da República e de um ex-ministro da Saúde. Em pronunciamento oficial, Jair Bolsonaro agradeceu o esforço dos brasileiros em enfrentar a doença que afetou não só o país, como todo o planeta. O chefe do Executivo destacou o empenho do governo em combater o novo coronavírus, com atenção à saúde e à economia.

"Instituímos o auxílio emergencial, que ajudou milhões de famílias, facilitamos e ampliamos o crédito para as pequenas e microempresas, custeamos parte dos salários dos trabalhadores, salvando milhões de empregos", disse. Segundo o presidente, na área de saúde, "não faltaram recursos e equipamentos para todos os estados e municípios no combate ao coronavírus, dentre outras ações".

Diferentemente de outros momentos, Bolsonaro manifestou empatia às famílias de brasileiros que morreram em razão da pandemia. "Nessa ocasião, solidarizo-me, particularmente, com as famílias que perderam seus entes queridos neste ano. Externo meus sentimentos, pedindo a Deus que conforte os corações de todos."

Antes do pronunciamento oficial, ainda na noite de quinta-feira, o presidente fez a tradicional live em uma rede social. Lá, adotou um tom menos solene, rebateu críticas e atacou adversários. Primeiramente negou, mais uma vez, que tenha se referido à covid-19 como "gripezinha". De acordo com o presidente, ele estava referindo-se à saúde pessoal dele, e não à doença como um todo. "Quando eu falei do meu passado, que eu tinha histórico de atleta, a imprensa disse que eu falava de todo mundo. Disseram que eu disse que era uma gripezinha. Não vai. Mostra o vídeo em que eu falei isso", desafiou.

Bolsonaro também comentou sobre a CoronaVac, vacina sobre a qual o governo de São Paulo criou expectativa em torno dos resultados. "A eficácia daquela vacina de São Paulo está lá embaixo, está lá embaixo. Não vou divulgar percentual, aqui, porque, se eu errar 0,001%, vou apanhar da mídia, mas o percentual parece que está lá embaixo, levando-se em conta a outra", disse Bolsonaro, sem especificar a qual imunizante referia-se.

Gripe espanhola
Ministro da Saúde do governo Bolsonaro durante 30 dias, o médico Nelston Teich deu um diagnóstico grave sobre a pandemia. Em uma rede social, ele estimou que o país tenha, considerando a subnotificação, 230 mil mortes provocadas pelo novo coronavírus. Oficialmente, o Brasil passou de 190 mil óbitos. Segundo o médico, a pandemia de covid-19, no Brasil, é pior do que a da gripe espanhola.

"Os relatos históricos da gripe espanhola apontam um pouco mais de 35 mil mortes no Brasil nos anos de 1918 e 1919. Pelos dados do IBGE, em 1920, o Brasil tinha 30,6 milhões de habitantes. Se ajustarmos a mortalidade daquela época para os dias atuais, em que o Brasil tem, aproximadamente, 212,4 milhões de habitantes, o número equivalente de mortes, em 2020, seria de aproximadamente 243 mil mortos", argumentou o ex-ministro.

"Estamos, atualmente, com cerca de 230 mil mortos pela covid-19, e os números crescem de forma significativa. As mortes pela covid-19 vão, com certeza, superar as da gripe espanhola", afirmou o ex-ministro. "Esse números mostram como a situação é grave, difícil e incerta", escreveu.

Teich deixou o governo em 15 de maio, quando o Brasil contabilizava 14.817 mortos por covid. O médico saiu do ministério após divergências com o protocolo de atendimento aos pacientes — à época, o governo estimulava abertamente o uso de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada no tratamento de covid. Teich acabou sucedido pelo atual titular da pasta, Eduardo Pazuello.

Também nas redes sociais, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes defendeu que a vacina contra a covid-19 chegue a todos os lugares do país o mais rapidamente possível. "Vacinas não possuem ideologia", escreveu o magistrado. "Sua função científica é salvar vidas, como há tantos anos o fazem. Quase 190 mil já se foram pela covid-19. A imunização é urgente e deve abarcar todo o país", afirmou. Mendes também afirmou ser preciso "confiar nos critérios de prioridade estabelecidos pelas autoridades sanitárias". Esta semana, a Fiocruz negou pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) para dar preferência aos 7 mil servidores do tribunal.