Título: Crise internacional e os Paulson bonds
Autor: Fernandes, Luiz Cezar
Fonte: Jornal do Brasil, 09/10/2008, Tema do Dia, p. A2

EMPRESÁRIO

H á vários meses atrás (abril de 2008), publicamos no Jor nal do Brasil e na Istoé Dinheiro um artigo sugerindo que o governo brasileiro deveria usar as reservas brasileiras para neutralizar o impacto da escassez internacional de crédito no financiamento e pré-financiamento das exportações.

Com prazer, verificamos que finalmente o bom senso prevaleceu e tal providência acaba de ser adotada para facilitar a vida dos exportadores brasileiros que estavam sem crédito internacional por conta da autêntica "armadilha de liquidez" gerada em 2007 e 2008, muito semelhante a 1929.

O artigo se chamava "Quem sabe faz a hora". Parece que agora é chegada a hora de o governo americano reconhecer que está encaminhando de forma errônea a solução para a crise de liquidez e crédito, ao decidir comprar títulos podres ou tóxicos dos bancos e não-bancos. Provavelmente a próxima medida a ser tomada pelo governo americano será a redução na taxa de juros.

O medo da inflação está sendo rapidamente substituído pelo medo da deflação e da depressão econômica, ou seja, década de 30 nos EUA e em menor escala década de 90 no Japão. Mas esta redução na taxa de juros ­ mesmo que seja para zero ­ pode não funcionar justamente em face do chamado empoçamento da liquidez. Os bancos e empresas não conseguem captar recursos, apenas os governos ­ e isto não depende de juros maiores ou menores. O Banco Central do Brasil atuou com rapidez, ao contrário da atitude inercial do Federal Reserve nos EUA.

O Banco Central se antecipou e vai passar a financiar direta ou indiretamente ­ o comércio exterior brasileiro com suas reservas internacionais. Já que estamos falando em Brasil, podemos lembrar que em 1990 a solução dos Brady Bonds ajudou a resolver o problema da dívida externa do nosso país. O que aconteceu? O governo brasileiro emitiu títulos de longo prazo colaterizados por títulos do governo americano. A partir dos últimos dias, começamos a assistir autênticas corridas bancárias pelo mundo inteiro, ameaçando o colapso sistêmico dos bancos e de instituições financeiras não-bancárias.

Por definição, a instituição financeira ­ bancária ou não-bancária ­ se alavanca captando recursos no mercado via CDBs, commercial papers ou depósitos à vista, adicionalmente ao seu capital próprio. Evidentemente, isto depende fundamentalmente de confiança dos clientes e dos outros parceiros financeiros. Quando a confiança é perdida, o dinheiro seca. Pior, em muitos casos ­ como Hyman Minsky já havia apontado no século passado ao analisar crises financeiras ­ alguns bancos se transformam em autênticos esquemas Ponzi, captando recursos a taxas cada vez mais altas. Como restabelecer a confiança nos títulos emitidos pelos bancos? Simples. Da mesma forma que se fez com os Brady bonds, podemos ter os Paulson Bonds. Ou seja: os bancos deveriam ser autorizados a emitir CDs e commercial papers colateralizados por títulos do governo americano. Os Paulson bonds substituem os Brady bonds.

Essa é a maneira correta de restabelecer a confiança no sistema bancário ­ e não a compra de títulos podres ou tóxicos, ou a concessão de redescontos. Esta é a solução adequada para evitar o pânico. Basta retornarmos à engenhosa solução que foi dada na crise da dívida externa da América Latina há cerca de 20 anos atrás, com a brilhante idéia dos Brady Bonds. Precisamos agora dos Paulson bonds.

As pessoas físicas e jurídicas ­ financeiras e não-financeiras ­ só vão voltar a comprar CDBs e commercial papers de bancos com este colateral governamental. Esta é a verdadeira realidade nua e crua. Sem esta garantia ou colateral ­ algo completamente diferente do plano atual aprovado pelo governo americano ­ a crise de confiança vai prosseguir e estamos arriscados a seguir o caminho da deflação e da depressão, mesmo com juros praticamente nulos para as taxas de juros do governo dos EUA e de outros países europeus ou asiáticos, ou então seguir o caminho perigoso da estatização bancária, o que já está ocorrendo infelizmente em alguns paises europeus e até mesmo nos EUA.

A solução correta para restabelecer a confiança é tratar os bancos problemáticos como foram tratados os países problemáticos há 20 anos: Paulson bonds em lugar de Brady bonds. Ben Bernanke prometeu a Milton Friedman ­ quando este ainda estava vivo ­ que nunca mais haveria uma Grande Depressão porque o erro foi do Federal Reserve ao não injetar liquidez e restabelecer confiança.

O mundo financeiro aguarda que esta promessa seja cumprida porque são inimagináveis as consequências de uma Segunda Grande Depressão no século 21, sobretudo em face do avanço das comunicações e do terrorismo internacional.