Correio braziliense, n. 21036, 28/12/2020. Saúde, p. 13
Nova cepa encontrada na Nigéria
28/12/2020
Uma nova cepa do Sars-CoV-2 foi encontrada na Nigéria, país de maior população da África, com 200 milhões de habitantes, provocando a convocação de uma reunião de emergência da agência de saúde do continente. Segundo as informações de especialista, a variante é distinta da detectada recentemente na África do Sul e na Inglaterra, embora compartilhe algumas mutações com a última.
A descoberta foi anunciada, de forma discreta, pelo Centro Africano de Excelência para a Genômica das Doenças Infecciosas (Acegid), com sede em Ede, sudoeste da Nigéria. Depois disso, o Centro Africano de Controle de Doenças (CDC), a agência de saúde da União Africana, organizou um encontro de especialistas para dimensionar o real impacto.
O professor Christian Happi, biólogo molecular que participou no sequenciamento genético da nova variante, pediu cautela. O Acegid analisou, no início do mês, 200 mostras do vírus e duas delas, obtidas de pacientes em 3 de agosto e 9 de outubro, apresentaram mutações genéticas. "Não temos ideia, nem certeza, se essa variante tem relação direta com o aumento de casos na Nigéria atualmente", disse Happi.
Em comparação a outros países, os números da covid-19 da Nigéria são relativamente baixos. Segundo balanço atualizado no último sábado, eram 82 mil casos registrados e 1.246 mortes. Apesar do cenário, o número de contágios no país, que realiza pouquíssimos testes, registra aceleração.
Hipóteses
Graças ao sequenciamento genético do vírus, uma operação de rastreamento sofisticada que apenas 12 laboratórios conseguem executar no continente africano, o professor Happi e sua equipe mostraram a evolução da mutação. "Não sabemos de onde vem a nova variante. Mas, acreditamos que seja independente, que se produz na Nigéria. Não acredito que seja importada", disse o biólogo.
Ex-professor de Harvard, especializado em doenças infecciosas, Christian Happi assinalou que os vírus sofrem mudanças de maneira natural. "O importante não é a mutação, e, sim, a transformação da proteína spike, a parte do vírus que permite o acesso às células do corpo e que tornaria essa mutação infecciosa", explicou.
O Acegid trabalha com o Centro de Doenças Infecciosas da Nigéria (NCDC), organismo de saúde pública nacional, para tentar explicar o aumento recente de casos da covid-19 no país e se essa evolução pode ser sido motivada pela nova cepa. Mas, uma coisa parece correta: a taxa de mortalidade relativamente baixa na Nigéria não aumentou recentemente.
"Peço que as pessoas não extrapolem", disse o professor. "Nada prova, por exemplo, que a cepa encontrada na Inglaterra teria os mesmos efeitos na Nigéria e vice-versa", enfatizou.
O especialista lembrou que decifrar o comportamento do novo coronavírus é um desafio constante. "Se há algo que a covid-19 nos ensinou é que, em tudo que acreditávamos saber sobre esse vírus, estávamos equivocados", enfatizou, acrescentando: "Alguns previram que um terço da população da África morreria, mas não podemos reunir as pesquisas e os números da Europa e dos Estados Unidos e aplicá-los aqui: somos geneticamente diferentes, nossa saúde imunológica é diferente."
Até o momento, a África registra, oficialmente, 2,4 milhões de infecções, ou seja, 3,6% do total mundial, segundo o balanço da agência de notícias France-Presse. O continente confirmou pouco mais de 57 mil mortes, número menor do que o notificado na França (59.072).
A testagem reduzida pode colocar em dúvida as estatísticas. Em contrapartida, é certo que nenhum país africano observou um aumento excessivo da mortalidade, o que seria indício de propagação do vírus.