Título: As eleições e a crise
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 09/10/2008, Opinião, p. A9

M al terminaram as elei- ções e tudo mudou. Não pelo resultado, que aponta para uma vitória do presidente Lula e dos partidos que o apóiam, particularmente o PT e o PMDB, apesar da ida de Gilberto Kassab (SP) e Fernando Gabeira (RJ) para o segundo turno, o que fortalece a candidatura de José Serra para 2010, fora a meia derrota de Aécio Neves e Fernando Pimentel em Belo Horizonte, que ainda depende do segundo turno.

Com as urnas quentes ainda, o país se viu engolfado de novo numa séria crise internacional com graves conseqüências para nossa economia, para seu crescimento e para seu desenvolvimento, já que crescer não é tudo.

Assim, sem meias palavras, 2010 passa a depender única e exclusivamente de como vamos enfrentar a crise atual. Se vamos continuar a crescer, criar empregos, aumentando a renda e o consumo, ou se vamos diminuir ou mesmo paralisar o crescimento econômico e a distribuição de renda que sustentou de certa forma esse mesmo crescimento.

Vamos aumentar juros de novo, cortar gastos e investimentos, aumentar o superávit e deixar a especulação contra o real inviabilizar nosso crescimento, encarecendo as importações, destruindo as empresas endividadas em dólar, inviabilizando o acesso ao crédito internacional já quase escasso, desvalorizando nossos ativos, que depois serão comprados pelos mesmos que especulam contra o real?

Ou vamos defender o real, sustentar os investimentos do PAC e os programas sociais, reduzir os juros e aumentar os investimentos públicos, com obras de saneamento, habitação e transportes coletivos nas grandes cidades, investimentos que não dependem de importações e que podem sustentar nosso crescimento sem pressionar a inflação?

O que temos pela frente é uma nova e indefinida situação na economia mundial, cujos efeitos e conseqüências ainda não podemos prever. Podemos, no entanto, enfrentar a crise com políticas para sustentar nosso crescimento e, principalmente, com a perspectiva de, neste momento, aprofundar as mudanças qualitativas e na estrutura de nossa economia. Isso significa fazer a reforma tributária, aprovar o Fundo Soberano, reorganizar a composição acionária da Petrobras e rever seu marco regulatório.

Devemos, também, aprofundar nossa política industrial, substituindo importações de insumos e produtos de alta tecnologia, dando um novo impulso, como vem fazendo o governo nas concessões na infra-estrutura do país, além de sustentar o PAC, consolidar e aprofundar as mudanças na educação e na área da inovação.

O sentido e a direção de nossa resposta à crise têm que ser apoiados no nosso mercado interno e na nossa capacidade de investimento, com base nos nossos bancos públicos e no orçamento geral da União e na capacidade do empresariado.

Devemos aproveitar essa crise para aprofundar a distribuição de renda e as mudanças estruturais na economia.

As grandes economias não vão cuidar dos países emergentes e dos Brics. Devemos, com eles, forjar uma estratégia própria e consolidar e ampliar nossos mercados comuns, seja na América do Sul ou na Ásia, Oriente Médio e África, exigindo uma ampla reforma do comércio e das instituições internacionais, para ser resposta à crise têm que ser apoiados no nosso mercado interno e na nossa capacidade de investimento, com base nos nossos bancos públicos e no orçamento geral da União e na capacidade do empresariado.

Devemos aproveitar essa crise para aprofundar a distribuição de renda e as mudanças estruturais na economia. possível a regulação e o controle do sistema financeiro que nos levou a atual crise.

Até agora, Lula e o governo têm sinalizado nessa direção: o BNDES se prepara para financiar os investimentos e a exportação, e mesmo o consumo; o BB a agricultura e as exportações; a CEF nossa infra-estrutura urbana.

O próprio BC, apesar da atitude dúbia na defesa do real, liberou o compulsório, aumentando o crédito na economia, dando linhas de financiamento em dólar para os exportadores, autorizando as empresas de leasing a emitir letras de arrendamento mercantil, ou seja, mesmo com uma postura de novo conservador frente ao ataque ao real, aumentou o crédito.

Falta agora o Copom se reunir e reduzir os juros, pondo fim a um ciclo de juros irreais e absurdos, que tanto custou ao país, a exemplo da orgia especulativa que dominou os Estados Unidos e que, agora, todo mundo paga a conta.