Título: Lula: regulação contra a anarquia
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Fonte: Jornal do Brasil, 11/10/2008, Tema do Dia, p. A6
Presidente fala em nova ordem mundial e segue com discurso otimista sobre o Brasil.
Enquanto a equipe econômica do governo federal articula políticas em Washington, durante a reunião anual de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue por aqui tentando, pelo menos em suas declarações, descolar o Brasil dos efeitos da crise mundial. Mas ontem, ao encerrar no 3.º Fórum de CEOs Brasil-Estados Unidos, em São Paulo, e durante entrevista, no Palácio do Planalto, foi além do já costumeiro "o Brasil está preparado para enfrentar a crise", e inaugurou um novo discurso sobre a situação internacional:
¿ Os sistemas financeiros foram duramente abalados, e com eles doutrinas e concessões econômicas que predominaram nos últimos 20 anos ¿ disse Lula, que foi mais longe e pediu mudanças profundas. ¿ Este é o momento de adotar medidas regulatórias capazes de controlar a anarquia que se abateu sobre a economia mundial.
Para Lula, os Bancos Centrais precisam rever as margens de alavancagem, sempre muito alta em face da realidade.
¿ Ninguém pode negociar o que não tem, e a movimentação de recursos de forma virtual, em que só se vende papel, é a causa da quebra financeira que ocorreu.
Lula elogiou as recentes medidas adotadas pelo governo norte-americano e pelo Reino Unido, mas reconheceu que essas ações levarão algum tempo para surtir efeito. Em seguida, ressaltou que a crise atinge principalmente os países mais desenvolvidos, embora os impactos também sejam sofridos nos países emergentes.
¿ Não é justo que a parte mais pobre termine pagando pelos desacertos que poucos fizeram no mundo. Também não é justo que países que fizeram um grande esforço para reconstruir suas economias arquem com os custos da irresponsabilidade daqueles que conduziram essa crise da economia global ¿ declarou.
Na sua avaliação, "essa não é uma crise dos pobres. O calo é no pé dos ricos". Segundo Lula, há 50 anos, os países ricos se diziam infalíveis.
Idéias afinadas
O discurso que prega a supervisão do mercado financeiro é o mesmo que deve ser defendido pela equipe econômica do governo em Washington, nos Estados Unidos, hoje, durante a reunião do G-20 ¿ grupo formado pelos ministros da Fazenda e presidentes de Bancos Centrais dos países ricos do G7 (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália e Japão), além de outros 13, e do qual Mantega é o atual presidente. Antes de embarcarem rumo à reunião do FMI, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foram orientados neste sentido pelo próprio presidente.
Para discutir a crise financeira internacional no âmbito regional, o presidente Lula informou que pretende convocar uma reunião com os líderes políticos do Mercosul. Segundo ele, a data do encontro deve ser decidida nos próximos dias com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Otimismo de sobra
O presidente também aproveitou para pedir aos brasileiros que não parem de comprar, mas que não se endividem:
¿ Ninguém precisa diminuir as compras. Pode continuar comprando, mas apenas aquilo que seu salário pode pagar ¿ avisou. ¿ Precisamos nos preparar para a gente comprar tudo o que a gente sonha comprar no Natal. E torcer para o Ano Novo ser infinitamente melhor.
Diante das críticas em relação ao que seus opositores chamam de "otimismo exagerado", o presidente Lula admitiu que suas declarações a respeito da crise têm sido, de fato, mais otimistas do que alguns gostariam. E justificou dizendo que, se não estiver vendo um cenário catastrófico, não venderá catástrofes. Mais uma vez, ressaltou que o Brasil vem se preparando há anos para tornar a economia mais sólida e enfrentar crises internacionais.
¿ Penso que o Brasil está mais preparado. Não é pouca coisa uma economia como a americana ter uma recessão. Não é pouca coisa se a Europa tiver uma recessão. Isso vai atingir o mundo inteiro, mas penso que o Brasil está mais preparado do que qualquer país no mundo.
O presidente aproveitou para descartar, durante a entrevista de ontem, o uso de pacote para combater os efeitos da crise internacional sobre a economia brasileira. Segundo ele, o país já teve muitos pacotes e por isso "quebrou a cara muitas vezes".
¿ Comigo não tem pacote. Serão medidas a medidas, pontuais ¿ afirmou o presidente.
Ainda na onda otimista, garantiu recursos suficientes para as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo Lula, o país está preparado para financiar as exportações e o crescimento econômico sem interromper o cronograma de obras, e ainda reforçando o caixa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
¿ No Brasil, não temos ainda nenhum grande projeto que sofreu qualquer arranhão. A decisão do governo é manter todas as obras do PAC, de infra-estrutura ¿ disse.
Dos montantes reservados aos investimentos em programas sociais, garantiu, o governo não vai tirar "um centavo", porque eles também ajudariam o país a enfrentar a crise.
¿ Os investimentos nessa área é que garantem que o nosso mercado interno continue crescendo.
No Brasil, disse, não há sinais de que o sistema financeiro brasileiro esteja envolvido em operações como as de subprime (crédito de alto risco) americano. E para não perder o costume de lançar mão de metáforas, comparou o início da crise nos EUA, país que já havia sido alertado sobre os riscos que corria, a uma criança que esconde as notas vermelhas:
¿ É como boletim de criança que tira nota baixa e quer esconder dos pais. Não adianta esconder que um dia aparece.