Título: Coisas do Brasil: Uma pletora de palavras
Autor: Rodrigo de Almeida Editor de Opinião do JB
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2005, País, p. A2

Verdadeira ou falsa, leviana ou não, a declaração do presidente Lula de que teria abafado uma denúncia de corrupção do governo do tucano Fernando Henrique Cardoso não é apenas mais um preocupante sintoma de língua frouxa. Enfermidade, aliás, já cansativa diante do errático palavrório presidencial, em geral dotado de frases desconcertantes e constrangedoras - decorrentes de um misto de deslumbramento, alienação e compulsiva inclinação por discursos de improviso, nos quais Lula fala primeiro, para só depois pensar. A declaração também não significa apenas uma confissão de culpa - afinal, a mais alta autoridade da República admite que mandou um subordinado calar a boca frente a uma evidência de irregularidade no processo de privatização do antecessor. (Com o perdão do cinismo: se queria o silêncio em nome da governabilidade, por que não solicitou, sem os holofotes midiáticos habituais, uma necessária investigação?).

A parolagem presidencial também não se resume a uma insinuação que, de tão imprópria, resultará num ato estéril. Poucos notarão o teor da ''denúncia'', mas a constatação de que o presidente abafou um suposto processo corrupto.

Tudo somado, trata-se, enfim, de mais um exemplo de que o governo do presidente Lula se deixou dominar pelo espírito tucano. Nossa memória política é curta, mas custa acreditar que tenha havido um presidente tão mirado no antecessor.

Lula poderia ler Maquiavel: em política doméstica, não se ousa pronunciar o nome do inimigo. Muito menos ao modo petista: dia sim, outro também. O presidente poderia ainda se lembrar das lições de Juscelino Kubitschek. Mesmo padecendo com a oposição feroz de Carlos Lacerda, nunca deixou que este lhe engolisse a alma. Não há um só discurso de JK atribuindo a Lacerda seja lá o que for.

E, como o atual presidente, JK gostava de discursos.

Lula, porém, governa, por um lado, com a percepção turvada pela auto-admiração e, por outro, com o olho no que fez e faz Fernando Henrique. Alimenta, assim, crises inexistentes. Fortalece o opositor, já tão afeito à ribalta. Talvez seja o modo que encontrou para compensar a falta de rumo. Eis o seu programa de governo: uma pletora de palavras.