Título: Debate político começa antes do previsto
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Jornal do Brasil, 23/10/2008, Tema do dia, p. A10

A insatisfação dos parlamentares pode alterar o planejamento traçado pela cúpula do governo para a crise. Nos bastidores, o Palácio do Planalto e a equipe econômica trabalham as ações para deixar o país em uma situação mais confortável, mas só pretendiam discuti-las com o Congresso em novembro. Além da retração ao crédito, a queda dos preços das commodities e a valorização do dólar também preocupam o governo e terão impactos nos parâmetros e projeções econômico-fiscais programados para 2009.

A previsão do governo era anunciar no fim do próximo mês a revisão dos índices, como a taxa de crescimento do país de 5% do PIB ¿ já calculada em um patamar entre 3,8% e 4,5% ¿ além de cortes no orçamento dos ministérios. Na Justiça, por exemplo, técnicos já analisam possíveis reduções no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Nada significativo, garantem assessores do ministro Tarso Genro. Pelo arranjo governista, as medidas serão anunciadas isoladamente para não criar um caráter de um pacote de combate à crise.

¿ O governo, a cada dia que passa, deixa mais claro que não quer assumir a crise ¿ disse o vice-líder do PSDB na Câmara, deputado Paulo Renato de Souza (SP). ¿ Diante do período eleitoral e com a economia sendo apontada como o eixo da popularidade do presidente Lula, o governo queria adiar a crise para o ano que vem. Mas o Congresso quer o debate.

Na avaliação dos governistas, alguns oposicionistas querem polemizar e capitalizar a situação para a disputa pela sucessão presidencial.

¿ Não vejo este sentimento em toda a oposição ¿ argumentou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). ¿ Desde que a crise mundial se espalhou vemos uma preocupação da oposição em buscar o entendimento com o governo. Não é interesse do governo esconder a crise, mas não podemos assumir uma situação que na nossa análise ainda não chegou. O governo quer e defende total transparência.

Para a oposição, a resistência do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em discutir com os congressistas os efeitos da crise demonstra o temor da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em assumir que há sérios riscos para a economia nacional com as turbulências que surgiram com a crise de crédito.

¿ O governo passa a impressão de que está vacilando ¿ afirma o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). ¿ Mas, no fundo, ele já se deu conta que a crise chegou e diversos setores estão passando por dificuldades.

Outro embate

Meirelles e Mantega chegaram a ameaçar não comparecer à comissão geral da Câmara ¿ que durou mais de seis horas ¿ e também cancelaram a participação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, agendada para ontem. Agora, prometem comparecer na próxima quinta-feira. Por lá, ao contrário da política da boa vizinhança da maioria governista da Câmara, os ministros devem encontrar os senadores afiados para um embate.

Senadores pretendem cobrar do governo uma posição mais rígida contra o aumento dos gastos públicos. Aumentos de salários e de funcionários já aprovados vão elevar a folha todos os anos até 2012. Ao todo, R$ 40 bilhões já foram aprovados.

¿ O governo precisa tomar o controle desta situação ¿ afirma o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

O senador César Borges (PR-BA) é mais cauteloso e sustenta que é preciso um esforço suprapartidário para o país passar pela crise sem grandes consequências.

¿ Temos bons trunfos para enfrentar a crise, como as reservas internacionais elevadas e sistema financeiro com uma carteira de crédito da ordem de R$ 1,1 trilhão ¿ ponderou.

Mesmo com a insatisfação gerada em alguns congressistas, os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), prometem acelerar a análise das medidas de combate à crise que o Executivo encaminhar ao Legislativo.

¿ O que estamos vendo é que o governo tem adotado o receituário passado do mundo para conter a crise ¿ defendeu Garibaldi. ¿ A crise é maior que nossas diferenças partidárias e isso precisa ser entendido. Ou enfrentamos a crise unidos ou teremos conseqüências. (M. F.)